Obrigado a todos. Obrigado ao Carlos por mais um convite, e os convites do Carlos são sempre uma ordem. Ele diz: “tem de ser” e tem mesmo de ser. Já lá vão três UV’s, e por acaso também três líderes (RISOS) e eu espero que na 4ª, 5ª, 6ª até à 15ª edições não haja mudança de líder, e o que é facto é que tem sido muito interessante. Pela minha experiência posso dizer que a parte sempre mais divertida tem sido a segunda parte, na nossa troca de impressões.
O Carlos andou à procura de um tema, para ser simpático para mim, e ficámo-nos nos Partidos Políticos. De qualquer forma, eu tenho de vos falar de alguma coisa (tenho de ter cuidado porque está aqui a comunicação social), mas no fim vale perguntar de tudo. As mensagens mais partidárias ficam assim para a segunda parte. Está combinado que os jornalistas assistem à minha intervenção inicial em on e assistirem em off ao debate.
Mas como sabem, a fronteira entre on e off é muito relativa.
Parabéns, ao Carlos por esta iniciativa. Eu tive oportunidade de felicitar o líder do PSD por ter alguém com este dinamismo a organizar esta Universidade de Verão, que é única: há outros partidos que têm iniciativas similares mas nenhum organiza para a juventude algo com a envergadura desta.
Então vamos aos partidos. Muito rapidamente proponho que passemos em revista como é que os partidos apareceram. E que tipos de partidos apareceram. Vamos em seguida à crise dos partidos e depois ao caso português. O que se passa e passou por cá.
Esqueci-me de dar uma palavra ao nosso querido Presidente da Câmara de Castelo de Vide, autarca que saúdo afectuosamente.
Como sabem, antes de haver democracia houve liberalismo: as revoluções liberais antecederam em muito a democracia. Na altura, só os homens é que votavam (e não eram todos os homens: começaram por ter direito ao voto os que tinham capacidade económica, e apenas depois os que tinham capacidade cultural).
Assim, quando o Estado Liberal apareceu, não havia partidos. A ideia do Estado Liberal é que os partidos não seriam precisos. Por uma razão muito simples: o liberalismo apareceu em países como a Inglaterra com o princípio de que cada qual (com capacidade económica, discernimento e formação cultural) escolheria o seu Deputado. Os círculos eram uninominais, a cada círculo caberia um Deputado, estabelecia-se uma ligação muito directa entre o eleito e o eleitor (eram poucos eleitores). Portanto, para quê os partidos? Eles eram um instrumento inútil que se interpunha entre eleitor e eleito, afastando a imediatividade.
Portanto, o Estado Liberal não tinha partidos. Só que a vida não é tão simples assim. E os eleitos começaram a pensar numa coisa! Em que é que pensam sempre os eleitos? Em serem reeleitos! É humano. E começaram a formar comités de candidatura. E daí nasceram os primeiros partidos. Os primeiros partidos nasceram de comités eleitorais de candidatura, dos que estavam já eleitos e que começaram a pensar: como haveriam de arranjar dinheiro, manter e alargar apoios, preparar as campanhas, etc, para assegurar a reeleição?
É o embrião do primeiro tipo de partidos, chamados os partidos de quadros. São partidos de notáveis (o médico, o advogado, o farmacêutico, o proprietário rural), que se reuniam para arranjar condições para manter o status político. Estes partidos de quadros, também chamados partidos de origem interna, tinham nascido de dentro do sistema. Porque eram os membros do Parlamento a promoverem a sua própria candidatura. Estes partidos lideraram a segunda fase do Estado Liberal (a partir de meados do século XIX). Uns eram mais alta aristocracia, alto clero e grandes interesses económicos (os conservadores), outros eram mais pequenos e médios proprietários, baixo clero, e eram os liberais. E tudo se passava entre conservadores e liberais.
É quando se dá, em vários países da Europa, a Revolução Industrial. Esta trouxe um novo fenómeno, que foi a chegada das classes trabalhadoras à vida política activa. Através dos sindicatos e confederações de sindicatos, que quiseram ter um papel a desempenhar e fundaram partidos políticos. Estes partidos eram completamente diferentes dos anteriores. Primeiro porque eram contra o capitalismo, depois porque eram contra o liberalismo, de início, muitos eram revolucionários, queriam defender os direitos das classes trabalhadoras (não esqueçamos as condições económicas e sociais em que se desenvolvia o trabalho dos homens, mulheres e crianças da altura…).
Esses novos partidos, chamados de massas ou de militantes, foram partidos organizados não na base da residência mas sim do local de trabalho, sendo que o objectivo eram a mobilização para a luta social com o fim de derrubarem o Governo. Não para participarem nele mas sim para o derrubarem.
Os partidos comunistas nasceram assim com o nome simpático de partidos social-democratas. A social-democracia era, naquela ocasião (dois terços do século XIX), revolucionária, anti-capitalista, anti-liberal e queria a mudança do regime económico e político.
Até que houve uma cisão. Há sempre cisões na vida das várias correntes. Deu-se o primeiro revisionismo, que foi quando os partidos sociais-democratas se dividiram em dois grupos: os social-democratas (ou socialistas) e os comunistas. Os que continuavam com a verdadeira tradição social-democrata eram os comunistas (com a sua tradição revolucionária, anti-sistema). Os revisionistas foram os social-democratas ou socialistas. Estes entenderam que não se chega lá pelas revoluções, até porque algumas falharam, por isso temos de conseguir chegar lá pelo alargamento do voto. No dia em que o maior número de cidadãos votar, como há mais trabalhadores que capitalistas, havemos de chegar ao Poder!
E realmente os dois acabaram por lá chegar mais ou menos ao mesmo tempo. Os partidos sociais-democratas chegaram ao Poder na Europa nórdica, (por via eleitoral e reformista, instalando-se por muitas décadas em alguns casos), e chegaram os partidos comunistas ao Poder na Rússia, que era uma sociedade das menos avançadas da época. Fizeram-no por via revolucionária, o que é irónico pois a teoria marxista dizia que era nas sociedades mais capitalistas, mais industrializadas que se daria a revolução, e esta foi justamente acontecer numa das mais atrasadas. Isto aconteceu no final da primeira década no século passado.
Entretanto, a somar aos partidos de quadros (que continuavam a dominar em parte da Europa) e aos partidos de massas (sociais democratas, socialistas ou comunistas), veio juntar-se outro tipo de partido chamados partidos fascistas. Já no início dos anos 20. Nascem na Itália e depois na Alemanha.
O que os partidos comunistas, socialistas e fascistas têm de comum é que não são de quadros. Não nasceram de dentro do sistema mas sim para lutar contra o sistema. O que têm de diferente entre si é muito. Os partidos comunistas assentam a sua organização no local de trabalho, são revolucionários, defendem a ditadura do proletariado como fase transitória para uma sociedade sem classes, rapidamente se tornam em partidos muito centralizados (o chamado centralismo democrático) que reduz a flexibilidade interna e aumenta a autoridade da chefia.
Os partidos socialistas e sociais democratas, pelo contrário, são partidos reformistas, apelam ao voto, querem transformar o sistema por dentro, com reformas sociais, culturais e económicas, têm grande flexibilidade interna, (aceitando tendências), são partidos descentralizados e baseados no local de residência.
Os partidos fascistas são baseados em organizações militares ou para-militares, com lógica de intervenção golpista, (foi assim que chegaram ao Poder em muitos casos), têm estrutura interna autoritária, dependente da figura do chefe.
(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)
Os partidos de quadros não acompanharam o andamento. Não estavam preparados para acompanhar partidos sofisticados em propaganda, em mobilização de massas, em mobilização da juventude, nos locais de trabalho, etc. Não estavam preparados para isso.
Terminada a guerra, o seu impacto foi tão forte que muitos partidos de quadros desapareceram. Não aguentaram o embate. Os partidos liberais nunca mais voltaram a ser o que eram. Os que aguentaram nos anos 50, 60, 70 foi a definhar (com raras excepções), pois não souberam reajustar as suas estruturas.
Os partidos conservadores, alguns reajustaram-se, sobretudo os de inspiração cristã. Na Áustria, Alemanha, Itália (com a ajuda do Papa), reajustaram-se, conseguiram exercer o Poder e tornar-se noutro tipo de partido (já não tendo nada a ver com os antigos partidos de quadros).
Com as reformas também nos partidos socialistas e sociais-democratas, surge outro tipo de partidos: os partidos de eleitores, que os ingleses chamam de “catch all parties” (apanhar votos onde quer que haja eleitores: senhorios, inquilinos, trabalhadores, patrões, etc).
Nestes partidos, ao contrário dos partidos de quadros, o centro da estratégia deixam de ser os notáveis, deixam de ser os militantes, passando a ser os eleitores. Tudo servia na luta pelos eleitores, nem que se sacrificasse o que pensavam os notáveis e os militantes! Assim, muitos partidos de quadros, socialistas e sociais-democratas se transformaram em partidos de eleitores. O mesmo se passou, mais tarde, com os partidos comunistas: primeiro na Itália, depois França e depois Espanha – viraram partidos de eleitores.
Há o exemplo clássico do partido social-democrata alemão, que era de classe operária (inspiração marxista), que depois se transformou num partido inter-classista, aberto a várias proveniências, e tem agora várias tendências doutrinárias internas.
Estes partidos de eleitores dominam a actividade política europeia desde dos anos 50 até praticamente à actualidade. Cerca de 50 anos.
Qual é a grande vantagem dos partidos de eleitores? É que são partidos aptos a conquistarem o Poder, a fazê-lo com uma acção contínua no tempo, e não apenas através apenas de campanhas eleitorais, ou apenas nos locais de trabalho. Entretanto, surgindo as democracias mediáticas, esses partidos souberam usar os novos meios, e direccionar a mensagem para várias camadas diferentes.
Qual é o grande problema? É que de programa: zero! Como é que se pode agradar ao mesmo tempo à direita e à esquerda, acima a abaixo, aos senhorios e inquilinos, aos trabalhadores e patrões? Prometendo coisas ou muito contraditórias ou muito vagas que dêem para tudo! Assim os programas passaram a ser conjunturais: como resolver esta crise, como atravessar este momento, como resolver o problema para 3, 4 ou 5 anos, etc. De acordo com os apelos tidos por mais fortes pelos média, de acordo com a personalidade dos líderes, etc..
Isto deu uma certa sensação de vazio em muitos sectores, o que levou ao surgimento dos partidos de contestação. Para apanhar aquelas grandes questões que os partidos deixaram cair por serem polémicas: a energia nuclear, ambiente, problemas regionais que dividem a sociedade, problemas comportamentais graves, etc, é melhor não falar nisso porque há franjas do eleitorado que pensam duma forma e franjas que pensam doutra…
Surgem assim, a partir da década de 70, os partidos nacionalistas, os regionalistas, os que giram em torno de questões comportamentais, os partidos contra os partidos (é o caso extremo dos partidos de contestação global).
Há um exemplo que eu costumo contar, estava eu a começar o ensino destas matérias (fico arrepiado só de pensar que já foi há 35 anos): houve um senhor na Dinamarca que chegou e disse – nada de pagar impostos! Estes tipos pegam no nosso dinheiro e gastam-no mal, portanto temos de criar o movimento nacional para não pagar impostos!
Aquilo teve um eco nacional enorme, e criou-se um partido só com este objectivo – o Partido do Progresso Dinamarquês! Lembro-me que houve vários congressos e conferências de pessoas ligadas à ciência política para tentarmos perceber o que era aquele partido. É que chegou a ser o segundo da Dinamarca! Felizmente nunca chegaram ao Poder. E lá dentro era um saco de gatos (de pessoas vindas de várias sensibilidades) e não se entendiam sobre mais nada a não ser sobre os impostos.
E nós tivemos um partido típico de contestação, o PRD, e temos agora outro que é o Bloco de Esquerda. Ora os partidos de contestação deram um susto aos grandes partidos. Quando eles perceberam que estavam a deixar de fora grandes questões, nomeadamente sociais. E então começaram a pensar na forma de compatibilizar o discurso de forma a tratar dos temas polémicos e de franjas. Foi quando se criaram as juventudes, as organizações autónomas, etc. A partir daí, mesmo que o partido não defendesse certas posições, a juventude do partido já podia defender! Ou os trabalhadores do partido! Ou as mulheres, ou os autarcas! Etc.
Assim se viveu na Europa. Os partidos americanos são muito diferentes: são frentistas! Sem conteúdo ideológico, muito marcados pela história da América, partidos muito fulanizados. Um político democrata do sul pode, em muitos casos, ser mais conservador que um político republicano do norte.
Portanto, este esquema de partidos de que falámos durou até há uns 10, 15 anos. Até que surgiu um novo tipo de partido: o partido de cartel! Em muitas das democracias europeias começou a ser visível que só 2 ou 3 partidos chegavam ao Poder. Os outros gravitavam por ali, faziam oposição, representavam sectores da sociedade, etc, mas não chegavam lá. Os que chegavam ao Poder descobriram uma coisa interessante: é que o Poder gera Poder. E nada como fazerem entre eles acordos tácitos ou expressos para se manterem no Poder. Isto no Poder Local mas também no Central.
Então estabeleceram princípios tais como o financiamento de partidos seria só para partidos com representação parlamentar. O tempo de antena é para os partidos com representação parlamentar. Etc
A própria máquina do Estado favorece a criação de clientelas. Claro que depois apareceram as leis para restringir isto, mas quando estas apareceram já havia 10 ou 20 anos de prática da clientela.
Assim, chamamos partidos de cartel às forças que utilizam no seu financiamento, funcionamento e conquista do eleitorado aquilo que provém do poder que têm, numa perspectiva bem diferente da anterior máquina partidária que vivia apenas à conta dos donativos esforçados dos seus militantes.
É evidente que os partidos de cartel têm um problema que vocês já perceberam: criam uma alergia muito grande em diversos sectores da opinião pública. E se é verdade que a alergia criada pelos partidos de eleitores levou ao surgimento dos partidos de contestação, a alergia aos partidos de cartel leva a fenómenos mais complicados – candidaturas independentes, lobbies económicos e sociais que tentam fugir ao que está organizado pelos partidos de cartel, desinteresse da opinião pública, nalguns casos abstenção, falta de sintonia com diversos sectores (nomeadamente os jovens), etc.
É a este estádio a que chegam os partidos neste momento. Os partidos vêem-se a braços com estes novos desafios. Que desafios são? Vou enumerar alguns. Primeiro: a base residencial. Em muitos casos esta base está ultrapassada. Corresponde a uma divisão administrativa que não tem em conta as migrações que houve. Segundo: a base laboral. Em muitos casos também está desactualizada. Há empresas que fecharam, outras que abriram. Há novos ramos de actividade (como o trabalho em casa, o trabalho à distância, etc). Como é que se enquadra sindical e politicamente essa gente? Terceiro: como é que se motiva a juventude? Sobretudo porque os partidos optaram por uma coisa estranha que é prolongar a juventude em política até aos 30 anos, que eu acho que é uma coisa surrealista. Com essa idade já ninguém é jovem! Ou pelo menos é-se jovem de forma diferente daquilo que se é aos 15 anos de idade! Aos 30 anos de idade, está-se mais próximo dos que têm 40 do que dos que têm 15. E no entanto pertencem às juventudes.
Depois vejam a dificuldade de renovação dos sectores laborais! Os partidos têm há 20 anos as mesmas lideranças nas estruturas autónomas laborais. Fazem uma reunião e (salvo raras excepções) estão lá sempre os mesmos, já com cabelo branco. Ora a economia mudou, o Mundo mudou, a realidade sócio-laboral mudou, só não mudou o enquadramento partidário! Há algo de errado nisto!
O mesmo como os autarcas. Mesmo com o falado limite de mandatos, temos uns que conseguem estar 20 anos no Poder. São sempre os mesmos! É muito difícil novos autarcas conseguirem papéis relevantes nas estruturas partidárias de autarcas. Estão lá os veteranos. E têm pactos que muitas vezes é interpartidário!
Problema mais grave é o da mulher. A mulher chega à vida política activa, em alguns países da Europa, em meados do século XX, noutros no final do século XX. Os eleitorados são maioritariamente femininos e depois chega-se às lideranças partidárias e vê-se que elas são maioritariamente masculinas.
Eu lembro-me sempre daquele exemplo do último Congresso em que eu estive como líder, no Porto. Aquilo estava tremido e eu pedia, como de costume, dois terços, (um pedido quase impossível) e havia pouca vontade de me dar essa margem. Eu, para agravar, disse que achava que devia haver, nas listas parlamentares seguintes, por minha decisão, 30% de mulheres. Eu falava e via que à medida que falava perdia votos! Via os Deputados que assim iam sair das listas (que eram largamente homens) a desaprovar, via os que queriam entrar para as listas a desaprovar-me também.
E depois via algumas mulheres a olhar para mim como um coitadinho que tinha encontrado mais uma ideia para perder votos. (RISOS). Esse é um problema real. O problema da lentidão da afirmação das mulheres nos partidos em geral.
E temos também o problema das minorias. A Europa vive hoje um enorme fluxo de migrações. Quer dentro do continente quer de fora para dentro. Com fenómenos de segundas e terceiras gerações perfeitamente integradas. Porém, de uma maneira geral, os imigrantes não têm acolhimento das estruturas partidárias. E, no entanto, podem até representar 5 a 10% de uma franja de população. Portanto há uma fatia significativa que não tem intervenção partidária.
Depois: movimentos de cidadãos, parceiros económicos e sociais (como negociar com eles), fenómenos referendários (são sempre um quebra-cabeças para os partidos porque resultam muitas vezes em clivagens internas).
Vejamos agora o caso das famílias políticas. A nossa família política é o PPE (Partido Popular Europeu). Só há menos de 10 anos é que o PPE se pareceu com aquilo que hoje é. Tem vindo a ter estruturas directivas consistentes mas sem serem minimamente operacionais. Tem estruturas relevantes ao nível de Parlamento Europeu, mas depois o partido propriamente dito é uma coisa débil, que flutua. Nem sequer é uma federação de partidos.
Outro problema: a comunicação social! Este é o mais complicado para os partidos, pois estes eram os grandes intermediários e de repente aparece outro intermediário a tirar-lhes a clientela! Um novo intermediário que faz as agendas, cria os intervenientes, que acelera ou trava os fenómenos políticos. E os partidos não estão preparados para agir em tempo real, e muito menos para antecipar-se à comunicação social. Quando a comunicação social passou a ser audiovisual foi perigosíssimo, mas ela agora é interactiva! Com blogs, com os sms, com tudo que hoje temos nas mãos, os partidos vêm que não estão preparados. Tinham uns sites simpáticos e tal, mas tudo isso é pouco!
Finalmente, problemas programáticos. Os conteúdos! Porque há hoje novas agendas: a infância, a juventude, os idosos, os excluídos sociais (com o envelhecimento na Europa), as novas tecnologias da saúde e da comunicação, as questões comportamentais, a segurança social.
Com a implosão do império soviético, estamos numa nova Europa, diferente da que existia quando os partidos criaram os seus programas (alguns deles revistos entretanto mas também já ultrapassados). Esta nova Europa tem outros parâmetros.
Esta nova Europa quer avançar para uma economia de mercado desligada daquilo a que se chama os “direitos adquiridos”, a que estamos todos habituados e dos quais não queremos prescindir.
Se juntarmos a isto a insegurança, o terrorismo, os flagelos naturais e os apelos populistas (que sabem apontar o dedo alarmista sem terem em conta alternativas sérias para resolver os problemas), conjugando com o facto de termos ciclos eleitorais cada vez mais curtos - eleições legislativas de 4 ou 5 anos, depois eleições locais e regionais que acabam por ter reflexo nas primeiras, as europeias e, nalguns países, as presidenciais (vejam que nós em menos de um ano temos 3 eleições…) como é que é possível definir agendas com estes condicionamentos todos?
Vamos abreviar! Passemos a Portugal.
Também em Portugal o Estado Liberal começou por, em rigor, não ter partidos. Mas rapidamente as correntes de opinião em torno dos Deputados que queriam tratar da sua recandidatura, cristalizaram em partidos e a monarquia constitucional, a partir de meados do século XIX, conhecerá dois grandes partidos. Um conservador e um liberal. O conservador chamava-se Partido Regenerador e o liberal chamava-se Partido Progressista ou Progressista Histórico.
O partido de esquerda teve cisões e crises. Chegou a haver dois partidos de esquerda que depois se reunificaram. Por seu lado, o Regenerador não teve grandes crises. A partir da década de 80 houve uma verdadeira implosão nos partidos monárquicos portugueses. Os progressistas conhecem duas dissidências: a dissidência progressista e a dissidência Alpoim. No Regenerador há uma dissidência forte, criada pelo futuro Primeiro-Ministro João Franco, chamada Partido Regenerador Liberal.
Começam a surgir partidos já na viragem de século, um pequeno partido socialista (minoritário e sem apoio laboral), o Partido Republicano, que começa por ser vários que depois se unificam, os Anarquistas, etc. Com uma característica: como em Portugal não houve verdadeira revolução industrial, não houve partidos de massas. Eram todos de quadros. A revolução industrial chegou só no século XX. Em muitos casos, 100 anos depois de outros partidos europeus.
Passamos para a República. Na República temos um partido que é o que mais se aproxima dos partidos de massas: que é o Partido Republicano Portugal, que é o único que conseguiu eleger Deputados para a Constituinte (tirando um deputado socialista). O PRP partiu-se em três partidos: Partido Republicano Português (herdeiro no inicial e chamado muitas vezes o Partido Democrático de Afonso Costa), foi este partido de esquerda que dominou o seu tempo, tendo sido o mais parecido com um partido de massas sem o ser; o Partido Unionista de Direita, de Brito Camacha, era um partido conservador, e o Partido Evolucionista, de José António de Almeida, do centro.
Os Evolucionistas e os Unionistas só pensavam em deitar abaixo o Partido Democrático. Ou por via pacífica e democrática ou por via golpista! Na altura dos golpes, recuaram sempre, mas estiverem sempre por detrás de muitos dos golpes: Pimenta de Castro, Sidónio Pais e, ironicamente, o 28 de Maio de 1926 (houve muito Unionista que por lá andou…).
A vida da 1ª República foi conturbada, até porque também tínhamos os monárquicos a fazer os seus golpes (e havia vários tipos de monárquicos, os miguelistas, os liberais e os integralistas, todos com dificuldades em entender-se).
Chegamos ao salazarismo, à ditadura, primeiro militar depois constitucional, sem verdadeiros partidos de massas de tipo europeu. Como é evidente, a União Nacional (depois a Acção Nacional Popular) era um partido de quadros e servia para Salazar escolher, ele mesmo, os seus quadros, e nunca o partido teve alguma influência efectiva no exercício do poder. Aliás, ele dizia que não era partido nenhum, era uma associação cívica.
A oposição teve dois partidos que tentaram ser de massas. Os Anarquistas, que foram trucidados pelos comunistas nos anos 30 e 40, e o Partido Comunista Português que nasce em 1921. vai crescendo, crescendo, é reformulado por Bento Gonçalves e depois por Álvaro Cunhal e dá o salto a partir dos anos 40. Tudo o resto eram movimentos de quadros: herdeiros de partidos republicanos, acção democrato-social, acção socialista, etc. Tudo movimentos de personalidades.
O eixo da oposição foi, durante muito tempo, o PCP. A única coisa que fugiu ao seu controlo foi a candidatura do General Humberto Delgado, que não conseguiu impedir e a que teve de aderir de má vontade. E depois o curto protagonismo do General, que a PIDE se encarregou de liquidar.
A partir daí o PCP recupera a sua liderança clara.
Chegamos ao 25 de Abril. O nosso sistema de partidos é mais ou menos o mesmo desde o 25 de Abril. Com uma diferença: os partidos que eram médios são hoje mais pequenos, e os partidos altos são agora grandes. [ELE DIZ ISTO ASSIM. TALVEZ SE DEVA SUBSTITUIR “ALTOS” POR “GRANDES” E “GRANDES” POR “MUITO GRANDES”] Estes segundos são o PS e o PPD (hoje PSD), os primeiros eram o PCP e o CDS, que (com raras excepções) perderam expressão eleitoral.
Pelo meio houve a UDP, muito localizado em Lisboa e Setúbal, juntando-se depois ao PSR e outros movimentos para ser hoje o Bloco de Esquerda.
Pelo meio também houve um compagnon de route do PCP, o MDP/CDE que morreu quando se quis separar dos comunistas. O PCP substituiu-o por uma associação cívica e pelos Verdes.
A única grande novidade, pelo meio, foi o PRD, criado em torno do General Ramalho Eanes, na fase final da sua presidência, tendo como figura cimeira a sua mulher, na primeira campanha eleitoral, de que ele viria depois a ser líder após o mandato presidencial. Este partido aproveitou um momento histórico, do bloco central, um tempo de grande confusão e lutas internas não só no governo como nos partidos que o suportavam. Assim, nasce como partido de contestação aos dois grandes partidos. E teve sucesso.
Os grandes partidos perceberam isto, sendo que o PSD foi o primeiro a perceber, e foi logo tentar “roubar” esse eleitorado ao PRD, parte do qual era de esquerda, no qual o PSD nunca tinha entrado.
Portanto, nesta fase há momentos importantes. A AD, a primeira AD, serviu para o PSD “roubar” eleitorado ao CDS. Não foi para isso que se criou a AD, mas esse desiderato atingiu-se.
O outro foi o próprio PRD: que lucrou com o eleitorado volátil que ora votava PS ora votava PSD.
Quanto aos tipos de partidos. O PCP era um partido de massas de militantes. Foi concebido na base de uma estrutura laboral. Primeiro foi revolucionário, teve depois de se converter em reformista. Simplesmente nunca deu o salto para partido de eleitores. Teve de fazer uma escolha entre manter a ortodoxia ou promover a abertura. E nunca quis correr esse risco! E as lideranças foram moldadas de forma a não correr esse risco. A actual liderança é a prova disso mesmo. É a expressão suprema da unidade dos militantes. Tem simpatias em alguns sectores da sociedade mas não deu o salto para o partido de eleitores.
O CDS sempre foi um partido de quadros. Teve um momento em que hesitou entre ser partido de quadros ou de contestação, com a liderança de Monteiro, pois achava-se que o CDS nunca chegaria ao Poder. Também um pouco no início da liderança de Portas, mas já menos. Até porque Portas já assume a liderança a pensar em como poderá coligar-se ao PSD.
Acabou por optar em manter-se como partido de quadros, nunca passando a partido de eleitores. Mesmo quando teve líderes fortes, como Freitas do Amaral. Mas isso foi na outra encarnação (RISOS). Sim, a segunda encarnação de Freitas foi uma tragédia. É sempre uma tragédia quando as pessoas regressam fora de tempo para exercer os cargos que já exerceram em melhores condições no passado.
PALMAS
Retomando, Freitas e Portas foram líderes que tiveram fases de grande popularidade. Conseguiram votações muito acima dos seus partidos. Lucas Pires chegou a ter também uma popularidade pessoal própria, entrando em eleitorados não típicos do CDS. Mas nunca isso permitiu ao CDS passar a partido de eleitores.
Agora o PS: foi o primeiro partido de eleitores português. Por isso foi ele que liderou desde o início o sistema de partidos. Foi o primeiro a perceber o sistema. Foi a melhor fase de Mário Soares, a saída da revolução e o combate ao PCP. Ele percebeu que se convertesse o PS em partido de eleitores seria hegemónico. E acertou.
E continuou a ser partido de eleitores até ganhar o tique de partido de cartel, que é um tique que de vez em quando aparece no PS quer a nível local quer a nível nacional.
O PPD/PSD é muito complicado. Começou por ser um partido de militantes. O que é uma coisa um pouco estranha, pois um partido de centro nunca é um partido de militantes. Um partido de militante ou é muito à direita ou à esquerda, logo em torno de causas muito marcadas e mobilizadoras.
Mas as circunstâncias fizeram-no um partido de militantes. O PSD foi “tolerado” nos tempos que se seguiram à revolução. Eu costumava dizer ao Dr. Balsemão, sobretudo nos tempos do PREC, que quando caía uma guilhotina que divida um bloco a meio, nós estávamos mesmo juntinhos ao ponto onde a guilhotina ia cair. Vejam que se deu a proibição do PDC (Partido da Democracia-Cristã), que estava muito ligado ao CDS, mas este (o CDS) é autorizado a concorrer à constituinte só para o PSD não ter mais votos…
Depois, já no Governo, o PCP teve sempre vontade de correr connosco! Bem como um sector importante do MFA. E há que dizer que o PS foi importante em algumas ocasiões para que o PSD se pudesse manter. Noutros momentos, porém, foi menos elegante…
De qualquer forma, houve situações que o PSD conquistou a pulso, quantas vezes de maneira louca! Os comícios boicotados, etc, tudo contribuiu para se fazer a pulso um partido de centro mas com uma mobilização brutal para resistir às ameaças da extrema-esquerda e à oposição do PCP…
Tivemos um grande líder que foi Sá Carneiro, um grande mobilizador. Muito embora tivesse sempre oposições internas. Na realidade, ele só foi incontestável a um ano antes da morte! Mas conseguiu fazer uma afirmação forte do Partido, contra tudo e contra todos.
Depois foi sucedido por Emídio Guerreiro, que era um guerrilheiro vindo da esquerda-esquerda! E queria transformar o PSD num partido de guerrilheiros. E nós fomos, para poder sobreviver, no Verão de 75, um partido de guerrilheiros.
E, do somatório daquela experiência louca de Emídio Guerreiro, ficámos um partido de militantes – que é o funcionamento para além dos actos eleitorais. Isso tem a nuance dos partidos assim constituídos correrem o risco de terem uma actividade diversa da exigida pelo exterior. Ou seja, a opinião pública a exigir respostas para temas importantes e as estruturas estarem mais ocupadas em processos internos de luta de poder.
PALMAS
Até que, de repente, Sá Carneiro percebe que era importante converter o PSD em partido de eleitores. E faz isso através da AD. Teve muita dificuldade em fazê-lo de outra maneira pois acabara de haver uma enorme cisão no partido. O PSD, e o grupo parlamentar, ficaram a braços com esta que foi a segunda grande cisão. Já tinha havido uma em 75, e esta de 79.
A única forma de ultrapassar isto foi, pessoalmente, saltando por cima dos barões, dirigir-se ao eleitorado e indo buscar o CDS, o PPM e os reformadores para uma coligação.
O que é facto é que é esse o grande momento em que o PSD se afirma como partido de eleitores. Balsemão depois dá sequência.
O segundo grande momento é com Cavaco Silva. Ele consegue uma sintonia ainda maior com o eleitorado do que Sá Carneiro. Uma sintonia baseada no concreto, nas questões económicas e sociais. E não no político (consolidação da democracia, luta contra o Conselho da Revolução, contra o MFA, etc).
Cavaco Silva faz uma sintonia tão forte que leva o PSD a ter uma maioria absoluta, sozinho, no Parlamento. Caso único! A partir daí ficámos a ser simultaneamente partido de militantes e de eleitores. A partir da fase final do cavaquismo houve por ali a tentação de ser um partido de cartel. Quer no local quer no nacional.
PSD e PS foram tendo essa tentação. Na minha modesta opinião, o PS teve sempre mais que nós. Embora no nosso partido também tenhamos quem pense que o Poder não é um meio mas sim um fim.
Voltemos ao PCP para dizer que hoje se trata de um partido regional: não consegue ter Deputados nem autarcas numa grande fatia do território português.
Já o Bloco de Esquerda é um partido de contestação. Tem, assim, dificuldade de se assumir como partido que pode chegar ao Poder, para exercer o Poder. Também é um partido regional, embora tenha aumentado a sua expressão um pouco devido ao clima de contestação à política que se viveu entre nós.
Falemos agora dos problemas de organização interna. São problemas que afectam muito o PSD e o PS, já que o PCP não tem grandes problemas a esse nível e o CDS nem sequer tem uma grande estrutura organizativa.
Agora o PSD e o PS, vejam, ainda são marcados pela divisão territorial de há 35 anos atrás. Mudou territorialmente o País, e a sua organização, mas essa divisão manteve-se a mesma. As nossas estruturas correm o risco de ficar ancilosadas porque há novos desafios aos quais não estamos a dar atenção.
O problema dos discursos, de uma maneira geral, é, como diz Pacheco Pereira, o “politiquês”. Demasiada política, e nem sempre perceptível pela maioria dos eleitores.
Isto é mais importante que o Programa. Mas falemos disso. O nosso Programa já foi revisto uma vez. Deixem-me contar-vos como foi a aprovação do nosso primeiro Programa. Foi num Congresso em que Sá Carneiro me chama, porque eu era considerado como sendo da ala esquerda do Partido, vejam as voltas que isto dá (RISOS).
Mas não era da ala mais à esquerda, pois havia uma a que chamávamos a ala de leste, sempre pronta a entendimentos com o PC…
Bem, e Sá Carneiro chama-me pois havia uma proposta para nacionalizar tudo, os barbeiros, cabeleireiros, hotéis, cafés, etc, e ele pediu-me para tentar dar a volta àquilo e eu lá lhes expliquei o absurdo da coisa, mas notem que foi à tangente.
Vocês nunca leiam o primeiro Programa do partido, morrem do coração (RISOS), até se falava em auto-gestão, etc. A certa altura, Sá Carneiro, no discurso mais à esquerda que fez (escrito por Pedro Roseta) diz isto: meu amigos, a Democracia é o meio e o Socialismo é a meta! E a co-gestão é o meio, a auto-gestão é a meta! (RISOS). E as pessoas aplaudiram, algumas até deviam considerar que o discurso estava moderado (RISOS)
Em todo o caso, é preciso dizer isto: o PSD é um partido muito flexível. O PS era o grupo de amigos do Dr. Mário Soares. Constituiu-se lá fora e foi criado de cima para baixo. O PC era, por natureza, um partido muito centralizado. O CDS era o partido dos amigos do Dr. Freitas do Amaral, e depois passou a ser o partido dos sucessivos líderes.
Já o PSD é um partido que nasce debaixo para cima. Eu estava na sede do Rato quando recebi um telefonema dos Açores a dizer que tinha nascido lá um partido e que estava a pensar aderir ao PPD nacional. Mas vejam que tinha nascido autonomamente. Tal como aconteceu na Madeira, e depois confluiu a nível nacional.
As estruturas que nasceram em Braga, Trás-os-Montes, Coimbra, etc, nasceram por elas mesmas. A grande dificuldade da afirmação de Francisco Sá Carneiro no início tem a ver com o enfrentar desses barões que criaram o PSD nos seus locais, pessoas com percursos diferentes.
Isso deu-nos uma flexibilidade muito grande. Até no que toca ao Poder local. Temos percursos diferentes, formas de ver e pensar diferentes.
Porém, temos algumas opções a fazer, tais como maior centralização/descentralização, mais populismo/mais competência, mais abertura à sociedade/mais problemas no partido (frequentemente há essa questão), mais rejuvenescimento ou mais poder dos veteranos (que são sempre um travão). Embora não sejam problemas exclusivos ao PSD, sobretudo no rejuvenescimento, matéria onde até temos revelado maior aptidão que os restantes partidos.
Bem, eu falei mais que uma hora e agora passamos à parte interessante em que vocês perguntam, eu respondo e os jornalistas fingem que não ouvem.
RISOS E PALMAS |