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Revista de Imprensa
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Regulação mundial: papel e reforma da ONU
 
Dep. Carlos Coelho
(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)
Na emergência duma comunidade internacional, o papel da ONU é incontornável. Há, como em tudo na vida, duas perspectivas, há quem considere que qualquer um pode ser polícia do mundo e ditar as suas regras, e há quem considere que a discussão em conjunto dos problemas é uma condição de liberdade desta sociedade mundial em que vivemos.

Uma das maiores especialistas em Portugal sobre estas matérias é a Dra. Mónica Ferro, a quem agradeço o facto de se ter disponibilizado a estar connosco, particularmente num contexto especial da vida dela, tendo sido mãe há pouco tempo tem agora as obrigações que decorrem da maternidade.

A Dra. Mónica Ferro tem como hobbie ler, como comida preferida o sushi, o animal preferido é a leoa, o livro que sugere é “A festa do chibo” de Vargas Llosa, o filme é de Wim Wenders “Até ao fim do mundo” e para ela a principal qualidade é a honestidade.

Dra. Mónica Ferro, a palavra é sua!

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
Quero começar por dizer que foi com muito agrado que aceitei o convite para vir hoje aqui falar sobre as Nações Unidas. Principalmente porque esta é, possivelmente, a melhor altura para se falar sobre o tema.

Todos os anos eu dou a cadeira de Organização das Nações Unidas numa faculdade em Lisboa, há uns 7 ou 8 anos e todos os anos digo isto, que é o melhor ano para se falar da ONU. Isto porque, de facto, a ONU tem vivido um processo de evolução, formação e construção de um regime internacional pelo que todos os anos tem sido interessantíssimo falar das Nações Unidas.

Este ano é interessante porquê? Porque neste momento está reunida uma força de emergência da ONU a tentar salvar o que ainda pode salvar da grande proposta de reforma das Nações Unidas.

Nós no ocidente temos o gosto de celebrar os aniversários com grandes ideias e grandes propostas. A ONU faz 60 anos este ano e prepara uma grande proposta de reforma que supostamente vai remediar o que tem corrido mal neste últimos anos e preparar a organização para o novo milénio.

Os temas são “pouco importantes”, são “só” o desenvolvimento, os direitos humanos, a paz, a segurança, são estes os temas que as Nações Unidas vão tratar em Nova Iorque. Está, então, uma força de emergência a discutir o que vai fazer porque há uma proposta preparada para os líderes discutirem a partir de 12 de Setembro, mas entretanto o embaixador norte-americano quer que o texto seja revisto linha a linha, palavra por palavra e como vêm não resta muito tempo até lá: o texto tem de ser traduzido em 170 línguas, é preciso disponibilizar o material aos Chefes de Estado que estarão presentes em Nova Iorque, ou seja, este “grande” relançar da ONU está comprometido.

As Nações Unidas são uma organização que toda a gente pensa que conhece, que sabe para que serve, e depois fica chocado com a falta de acção da organização ou fica perplexo com as coisas que a rodeiam. Isto resulta do facto de não sabermos o que são as Nações Unidas. A ONU é uma organização intergovernamental. O que é que isso quer dizer? Apesar de terem uma vontade própria e um processo próprio de formação de vontade, as Nações Unidas são uma organização de Estados e as Nações Unidas fazem o que os Estados permitem…

O processo de tomada de decisão já não é a unanimidade, como tinha sido noutras ocasiões, é um processo de maioria, o que significa que alguns Estados ficam fora da vontade principal, mas a verdade é que a organização não consegue actuar sem os Estados. E não consegue actuar sem os grandes Estados, como sabem.

É muito frequente abrir-se aqui um parêntesis para falar dos Estados Unidos, por vários motivos, porque são a grande potência mundial depois da guerra fria, porque são os maiores contribuidores líquidos da ONU, (pagam 22% do orçamento da ONU e 27% das operações de paz), portanto é um peso pesado da organização.
E também porque têm uma coisa chamada direito de veto, que é o direito de paralisar a acção (direito que alguns outros Estados também têm), sei que sabem isto tudo, até porque ontem tiveram um quiz…

Voltando ao tema, as Nações Unidas têm vários órgãos, o primeiro dos quais é a Assembleia Geral. A Assembleia é aquele hemiciclo onde estão representados todos os Estados-Membros (EM) que são 191.

O único EM que fica fora das Nações Unidas (mas mesmo assim é um Estado associado e paga quotas) é a Santa Sé, de resto todos os Estados do mundo estão nas Nações Unidas. O único que nunca quis fazer parte foi a Suíça, com a sua questão natural da neutralidade, mas em 2002 acabou por entrar. Foi o Estado 190 a entrar. O mais recente EM é Timor, num processo totalmente conduzido pelas Nações Unidas.

Timor é um case-study de criação de Estados por força da ONU.

Depois há órgãos não plenários, órgãos mais restritos, um Conselho Económico e Social que se dedica ao desenvolvimento; um Conselho de Tutela (que está paralisado neste momento), foi um órgão criado para tutelar a independência dos territórios não autónomos e colónias que não estavam completamente independentes após a primeira guerra mundial e que foram colocados sob uma espécie de vigilância internacional.
As colónias portuguesas nunca estiveram nessa condição porque a nossa diplomacia disse sempre que não eram territórios não autónomos mas sim províncias ultramarinas, fazendo parte do território luso.

O que é curioso porque havia uma lista das Nações Unidas que discriminava os territórios não autónomos e no final dizia-se: para que não restem dúvidas, são territórios não autónomos Angola, Moçambique, etc etc, era uma indirecta a Portugal! Mas Portugal manteve sempre a sua posição. Podíamos ter sido alvo duma resolução a condenar a nossa postura, pois considerava-se na altura que o colonialismo era uma ameaça à paz.

E embora tivéssemos corrido esse risco, nunca foi um verdadeiro risco pois essa intervenção teria de ser autorizada pelos EUA, que era nosso parceiro na Nato, e que precisava muito da nossa base das Lages, pelo que nunca deixaria que o Conselho de Segurança viesse a condenar Portugal.
E dentro do Conselho de Segurança essas relações clientelares passam-se todos os dias: há intervenções que não se concretizam porque interessa a determinado Membro Permanente que certo país não seja alvo de sanção.

Veja-se, por exemplo, o caso dos EUA/Israel: não há acções contra Israel porque os EUA nunca deixariam. Em contrapartida, Israel vota sempre ao lado dos Estados Unidos.

Concluindo a questão do Conselho de Tutela: este órgão cumpriu os seus objectivos e muito provavelmente será abolido na reforma que se avizinha. De referir que há uma proposta portuguesa, polaca e de Malta no sentido de tornar o Conselho de Tutela num órgão que vela pelo património comum da Humanidade. Esta ideia não vingou muito, mas Portugal fazia parte dos Estados que fizeram a proposta.

Vejam que os proponentes são Estados que se sentam ao lado uns dos outras na Assembleia Geral, vejam que se formam consensos e ideias partilhadas devido a esta proximidade.

Agora o Conselho de Segurança. Este é o órgão mais visível, talvez porque trate das questões da paz e da segurança. É curioso que durante muito tempo as Nações Unidas estavam paralisadas e não cumpriam os objectivos para os quais foram criadas. E esse período foi a altura em que o Conselho de Segurança esteve paralisado. O que é isso?

Imaginem a Guerra Fria, os EUA vetam sistematicamente tudo o que é proposto pela URSS e a URSS veta tudo o que é proposto pelos EUA ou França ou Reino Unido. Era isso que acontecia até à década de 90, e o Conselho de Segurança não actuava. Não havia operações de manutenção de paz, não havia resoluções, não havia intervenção, etc porque os Membros Permanentes não se entendiam!

Quem é que mantinha a paz? Eram organizações fora do sistema, como a NATO (pelo lado ocidental) e o extinto Pacto de Varsóvia (pelo bloco de leste).
E o que é que as Nações Unidas fizeram durante esse tempo? Por isso é que eu acho curioso que se fale em fracasso das Nações Unidas, é que a ONU significou independência, desenvolvimento, ajuda ao desenvolvimento, ajuda alimentar de emergência, direitos humanos para milhões de pessoas. Durante estes anos, as Nações Unidas ajudaram a criar um corpo de regulação internacional. Todos os Direitos Humanos consagrados que nós temos, todas as metas de desenvolvimento, as grandes conquistas advêm de trabalho da ONU enquanto o trabalho se segurança esteve paralisado. Vejam, por exemplo, os direitos de maternidade! Estes resultam quase em tudo (licenças, períodos de aleitação, benefícios, etc) do trabalho de organizações internacionais ligadas ao complexo das Nações Unidas.
Isto não me parece a história dum fracasso!

Talvez porque o primeiro objectivo da Carta das Nações Unidas fale em Segurança e Manutenção da Paz, nós tenhamos resumido o seu papel a esse propósito, mas não é correcto considerar um fracasso estes anos da organização.

O Conselho de Segurança, como sabem, tem 15 membros, 10 não permanentes e 5 permanentes. Estes últimos estão referidos na Carta das Nações Unidas, não têm de ser eleitos, os primeiros têm de ser eleitos e cumprem mandatos de dois anos. Portugal já lá esteve por duas vezes.

A outra diferença é que os Membros Permanentes têm o direito de veto. Esta é a capacidade de paralisar a acção, porque a Carta diz que uma resolução não pode ser adoptada sem a concordância dos 5 membros permanentes. Quando um deles não concorda não há avanço do processo. A prática tem permitido que os mesmos se abstenham ou ausentem em determinadas situações sem que isso signifique um veto. Há um caso típico: na primeira intervenção da Guerra do Golfo, a China absteve-se. Na altura a China tinha problemas com o massacre de Tiananmen, e discutia-se muito se haveria de se enviar comissões de fiscalização para a China, para verificar as questões de direitos humanos. A China absteve-se na votação que deu a concordância da ONU no avanço sobre o Iraque, e a situação da Comissão de Inquérito ficou esquecida…
Não tenho formas de provar que tenha havido um negócio, mas não há coincidências! E na política internacional não há mesmo coincidências.

Mas esta dinâmica do Conselho de Segurança tem sido posta em causa, porque se em 1945 se concordava que eram estes cinco (EUA, França, Reino Unido, China e URSS – agora Federação Russa) os garantes da paz mundial, hoje pergunta-se se eles são assim tão garante para a paz mundial e, sobretudo, se não haverá outros países essenciais para a paz mundial.
Hoje fala-se da relevância do Japão e a da Alemanha, curiosamente os países que são referidos na Carta das Nações Unidas como os Estados Inimigos. Em três artigos da Carta ainda se fala disso.

Porquê a importância da Alemanha e Japão? Porque são neste momento quem mais paga as operações de paz. A primeira intervenção no Golfo foi quase toda paga pelo Japão.

Neste momento há quatro países que se autopropõem para membros permanentes: Japão, Alemanha, Índia e Brasil. E propõem que se juntem mais dois africanos no sentido de melhorar a representatividade do Conselho.

Esta proposta está muito bem lançada, sobretudo na América Latina e Central porque o Japão prometeu imensos investimentos financeiros muito grandes em termos de infra-estruturas, (a Argentina talvez lá tenha de engolir o “sapo” de ter o Brasil no Conselho de Segurança, porque há grande rivalidade).
O critério da Índia é não só o do peso demográfico mas também geográfico.
Aliás, o Brasil também. Sabiam que o Roosevelt foi um grande defensor do Brasil ser membro permanente logo desde o início? Na tal lógica regional, de ter um membro da América Latina.

Bom, todas estas questões serão abordadas nesta revisão, mas há uma coisa que não será alterada: não se vai retirar o direito ao veto a quem já o tem! Vejam que para uma alteração à Carta requer uma aprovação de 2/3, o que excluiu os 5 membros permanentes, mas atenção, para entrar em vigor, deve ter a aprovação de todos os 5, ou ela não entra em vigor.

Uma vez a senhora Madeleine Albright propôs que os EUA chegassem à ONU e dissessem: agora vamos acabar com o direito de veto! Claro que os restantes 5 não iriam concordar e os EUA sairiam por cima, mas esta ideia não teve sequência, pois percebia-se que era apenas uma fachada.

Deixei-me dar-vos dois pormenores,

- a Federação Russa ocupa os lugares deixados vagos pela ex-União Soviética, embora os restantes países ocupam por si mesmo os lugares que qualquer Estado tem direito.
- as Nações Unidas não têm exército próprio e eu, como muitos de vós, já me indignei algumas vezes (antes de ter estudado estas coisas), porque é que as Nações Unidas não actuam depressa! Por que razão não são mais rápidas? É por isto: não só não tem exército próprio como não há sequer na Carta uma previsão destas acções que a ONU executa.

Estas acções (os tais capacetes azuis, cuja única explicação é o facto de usarem um capacete azul, não há outra RISOS), são aquilo a que se chama o “plano de contingência”, aquilo que se pôde arranjar, o capítulo seis e meio da Carta – não há nenhum capítulo seis e meio na Carta, é como aquela estação do Harry Potter – mas está entre o capítulo 6 (resolução pacífica de conflitos) e o capítulo 7 (Acção em caso de ameaça à paz).

Estes capacetes azuis são então um conjunto de coisas. No início nem iam armados (agora já vão). E quem são estes capacetes azuis? Não estão previstos na Carta. O que acontece é que quando o Conselho de Segurança finalmente decide que é interessante intervir numa área, faz um mandato, pede ao Secretário-Geral das Nações Unidas (actualmente é o senhor Kofi Annan) para ele encetar negociações com os EM e cada Estado disponibiliza as forças que pode e assim se inicia a operação.

Estão a ver o tempo que isto demora: desde a demora dos mecanismos processuais da decisão do Conselho, depois as negociações do Sec-Geral com os EM, os Estados disponibilizarem forças, etc).
Isto para além das peripécias possíveis. Eu lembro-me uma vez que os soldados portugueses iam integrar uma força de paz, mas as forças armadas não tinham aviões para os transportar porque estavam em missões no kosovo e noutros locais, e tiveram de ir pela TAP, porém a TAP estava de greve e os novos soldados estavam em Figo Maduro mas não voaram para lado nenhum (RISOS).

Isto faz com que se demore muito tempo até à actuação efectiva. Timor é um caso típico. Há uma imagem que me ficou gravada de alguns populares que estavam a ser atacados por milícias, e houve uma mãe que atirou o filho por cima do arame farpado do aquartelamento da UNTAET, para garantir que ele cairia em solo protegido…

Muita desta morosidade resulta daquilo que falámos há pouco.
Uma das razões da zanga dos EUA relativamente a esta proposta de reforma da ONU é o facto do Sec-Geral pedir aos Estados que não vetem as resoluções em caso de direitos humanos, genocídio, crimes contra a humanidade.
Os americanos consideram isto uma intromissão impossível, consideram que o Sec-Geral não pode dizer aos EM quando é que eles podem vetar uma decisão ou não.

Mas a verdade é que esta capacidade de actuação das Nações Unidas tem de ser agilizada, mais rápida. De preferência, com forças sempre disponíveis. Portugal tem tido um elevado grau de prontidão e tem-se pedido aos Estados que tenham forças que possam ser mandadas para o terreno em 24 horas. Neste momento discute-se esses acordos de prontidão. A Jordânia é um dos dois países com maior prontidão. O outro é o Uruguai ou Paraguai (não me recordo).

Neste momento há uma coisa nova que são as “operações de construção da paz”. O objectivo é intervir em cenários pós conflito e ajudar os Estados a reconstruir a suas estruturas, criar instituições democráticas onde não as haja e evitar novo conflito.

Isto quer dizer que hoje o Conselho de Segurança se preocupa com direitos humanos, pobreza, tráfico de armas, drogas e de pessoas, etc. Cada vez os desafios são um pouco mais complexos e eu acho que um Conselho de Segurança definido em 1945 não lhes pode dar resposta.

Outro dos órgãos é o Secretariado que é constituído por funcionários públicos internacionais (são funcionários das Nações Unidas e não diplomatas), o que significa que obedecem ao Secretário-Geral e às Nações Unidas, a mais ninguém. A Carta diz mesmo que não podem receber ordens nem instruções de mais ninguém. Isto significa que é totalmente irrelevante o facto de Kofi Annan ser do Gana: ele nunca vai poder favorecer o Gana pelo acto de ser ganês. Os funcionários públicos internacionais prescindem temporariamente da sua nacionalidade, obedecendo apenas ao seu papel de imparcialidade.

Eu sou particularmente fã dos Secretários-gerais das Nações Unidas. Eles desempenharam um trabalho notável, sobretudo em épocas em que as Nações Unidas estiveram paralisadas. Quer como negociadores, exercendo os seus bons ofícios, desbloqueando crises, criando cenários de resolução de conflitos, etc.

Há um Sec-Geral que ficou na história, um sueco, o senhor Dag Hammarskjold, um dos mais emblemáticos, foi o único a morrer em serviço, morreu num acidente de avião quando ia negociar a paz no Congo. A tese oficial é acidente, mas todas as investigações indicam que pode não ter sido e cresce a teoria do atentado.

Mas foi um Sec-Geral muito emblemático que lançou mecanismos importantíssimos que ainda hoje se usam, como os enviados especiais do secretário-geral. São pessoas que o Sec-Geral mandata para o representar numa determinada questão e essas pessoas têm sobre si o peso de 191 Estados. É um pouco a lógica da “união faz a força”.

Outro órgão das Nações Unidas de que vos queria falar, muito maltratado, por sinal, é o Tribunal Internacional de Justiça.
Bom, eu espero que ninguém aqui seja jornalista porque eu vou dizer um pouco mal de alguns jornalistas. Incorre-se frequência em erro porque muita imprensa trata todos os tribunais internacionais como “o” Tribunal Internacional de Justiça (TIJ). Porém há vários tribunais internacionais e as Nações Unidas (para agravar) foram alojar quatro tribunais no mesmo sítio, o que dificulta a compreensão e destrinça das coisas.
Na Haia, temos o TIJ, o Tribunal Internacional de Arbitragem, o Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia (eu vou dizer o nome todo que é “Tribunal penal internacional para julgar as pessoas responsáveis por sérios crimes e outras violações ao direito internacional humanitário cometidas em território da antiga Jugoslávia”) PALMAS
Obrigado. Podia agora impressionar-vos porque o do Ruanda é ainda maior (RISOS) mas não vale a pena.
E há um outro tribunal, do qual Portugal já é membro e pode ser nele julgado, que é o Tribunal Penal Internacional. Se a função do TIJ é julgar Estados, a função do TPI é julgar indivíduos acusados dos crimes mais graves que podem imaginar, genocídio, violação de direitos humanos, crimes de guerra, etc. É a grande novidade em termos internacionais.

Devem ter acompanhado o processo de adesão de Portugal a este Tribunal. Alguns juristas disseram que ia contra a nossa Constituição pois o TPI prevê prisão perpétua e nós não a admitimos. Porém o TPI tem um mecanismo de redução da pena em 25 anos, o que está dentro dos nossos parâmetros. O outro argumento de alguns dos nossos juristas tem a ver com a possibilidade de extradição para países onde são possíveis penas mais duras que em Portugal (perpétuas, ou pena de morte), porém não está em causa a figura da Extradição mas sim a da Entrega, pois o TPI não é um Estado…

Os grandes opositores ao TPI são os EUA, têm feito campanha contra o mesmo, dizendo “nós julgamos os nossos próprios cidadãos” e o propósito do TPI é julgar cidadãos dos Estados-partes ou pessoas que tenham cometido crimes nos Estados-partes. E vejam então qual é o problema dos EUA, é que eles têm imensas tropas em todo o lado…

Isto foi ao ponto de alguns americanos proporem que os EUA deveriam invadir a Holanda para resgatarem cidadãos seus que tivessem sido aprisionados pelo TPI. Agora têm Estado a assinar acordos bilaterais de “imunidade”, embora alguns os alcunhem de “impunidade”: tu não prendes os meus e eu não prendo os teus… isto na prática é impunidade.
A UE quase embarcou nisso com os EUA, mas como não aceitou, os EUA disseram que iam vetar uma série de operações de paz… têm esse poder e tratam de o usar.

O TPI não está directamente ligado às Nações Unidas embora tenha sido criado dentro da ONU. Alguns portugueses tiveram grande relevância nesse processo, uma delas a prof. Paula Escarameia, (que até foi a primeira mulher de sempre a ser eleita para a Comissão de Direito Internacional, contra todas as expectativas, pois nunca se supôs que pudesse ser portuguesa a primeira mulher a fazer parte deste grupo restrito de homens que fazem as leis internacionais).

Há um mecanismo chamado “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória”, isto significa que, na prática, o TIJ só julga os Estados que aceitem ser julgados pelo Tribunal. Se não aderirmos não seremos julgados. Portugal aderiu em 1955. Neste momento somos réus num processo posto pela Sérvia contra todos os Estados da NATO, embora alguns digam que só os americanos deviam ser julgados porque os aviões eram americanos. Curiosamente os EUA são o único Estado que não é réu, pois não reconhecem a jurisdição deste tribunal. Espanha tem uma situação diferente: diz que só aceita a jurisdição do tribunal quando a outra parte aceite a jurisdição do TIJ há mais de meio ano. Isto serve para impedir que os Estados adiram ao TIJ só para pôr processos aos outros, como a Sérvia fez.

Mas, como é habitual, só daqui a 10 anos haverá decisão e dir-se-á que não se chegou à conclusão sobre o que é o uso ilegal da força, que é o que a Sérvia está a pedir.

Outro caso famoso é o de “Timor Gap”, um contrato entre a Austrália e Indonésia para explorarem o petróleo no mar de Timor. Portugal pôs um processo contra a Austrália, dizendo que a Indonésia era a potência ilegal em Timor e a potência administrante era Portugal e esse acordo não podia ter tido lugar. Bom, Portugal é parte do TIJ, Austrália é parte, porém, para se poderem pronunciar sobre a ilegalidade da ocupação indonésia, esta teria de ser parte, e a Indonésia não é parte…

Na altura da sua criação, tentou-se um mecanismo de adesão automática: todos os EM da ONU seriam partes do TIJ e poderiam ser julgados. Este mecanismo até foi defendido pelos EUA, mas não foi aplicado.
O que se passa é a vinculação voluntária e o que vemos é a desvinculação dos países quando são julgados e punidos. Foi o que aconteceu com os EUA, França, Etc,
Os EUA saíram no dia a seguir a serem punidos num processo.

É um órgão que tem contribuído muito em determinadas matérias como em pareceres, esclarecimentos conceituais, disputas fronteiriças, etc. Porém, em conflitos abertos entre Estados, a sua actuação não é sequer satisfatória.

Portugal, como sabem, aderiu em 55, e logo a seguir pôs um processo à Índia: como vêem foi uma questão de oportunidade!

Mas esta é a organização que temos hoje em dia. E eu acho, tal como muitos que estudam esta matéria, que a ONU tem todos os mecanismos para funcionar bem. Como diria o Almada Negreiros, a salvação do mundo está estudada, agora só falta salvá-lo.

A única questão grave é a do financiamento: alguns EM não pagam as quotas, atrasam-se, reparem que isto até já tem o nome de “veto financeiro”. Portugal paga 8 milhões de dólares. E este ano pagámos em atraso, mas não é essa a norma.

Porém os EUA pagam (ao todo) cerca de 3 ou 4 mil milhões de dólares. Quando pagam! Porque algumas vezes fazem o tal veto financeiro, para paralisar a organização.

Vejam que já há hotéis que se recusam a fazer acordos com as Nações Unidas…

Uma das leis que foi agora aprovada nos EUA diz o seguinte: caso as Nações Unidas não adoptem as medidas pedidas pelos EUA, eles poderão diminuir para metade a quota que pagam. Numa época em que todos buscamos o multilateralismo, isto é uma agressão.

Não se trata de dizer que as Nações Unidas vão passar a ser o próximo governo mundial, não é isso que se quer. O que se quer é que os Estados, em salas como esta, consigam estabelecer padrões e normas de conduta aceitáveis. E que se consigam criar medidas para a construção da paz: o Estado de direito, o respeito pelos direitos humanos, os objectivos do desenvolvimento do milénio (que propõe, até 2015, a eliminação da pobreza, a mortalidade materna, a igualdade para as mulheres, a redução dos níveis de sida, malária e outras doenças, garantir o desenvolvimento sustentável, etc).

Neste momento já se reconhece que 2015 é perfeitamente utópico, mas as metas estão no bom caminho.

Vou-me calar agora porque já passou o meu tempo, e estou aberta às vossas questões.

PALMAS

 
Dep. Carlos Coelho
Obrigado, Dra. Mónica Ferro.
Peço agora a todos a mesma contenção de sempre que toca ao uso do tempo para as perguntas e respostas, de modo a podermos ter questões livres.
 
Daniel Fangueiro
Para a primeira pergunta, grupo azul, Sofia Cavaco.
 
Sofia Cavaco
Bom dia a todos, em especial à nossa convidada.
A nossa questão é a seguinte: qual o papel da ONU no tocante ao combate ao terrorismo internacional.
Obrigado.
 
Dra.Mónica Ferro
Neste momento está a ser discutida (isto vais-vos surpreender) qual é a definição de terrorismo. Pela primeira vez parece que se vai conseguir chegar a uma definição concreta, pois não há. Há muitos diplomas internacionais sobre dar guarida a terroristas, sanções, etc, mas faltava este instrumento importante que é a definição.

Neste momento há uma definição proposta que resultou duma cimeira a 11 de Março em Madrid, (resulta dos atentados) e daí surgiu uma proposta de definição que o Sec-Geral trabalhou. Duma maneira muito resumida, o que se pretende é que terrorismo seja qualquer acto que provoque vítimas civis injustificadas.

Quais são os grandes problemas? São a falta de definição e a acção de certos Estados. Mais uma vez quem está a levantar grandes problemas com esta definição são os EUA. Querem que fique fora dos limites de terrorismo a acção de forças armadas actuando dentro dos limites de intervenção humanitária. É claro que estão a tentar proteger as suas forças armadas.

Outro problema é que o terrorista de um é o libertador de outro. Este é sempre um problema.

A OLP para uns é um movimento terrorista, para outros é um movimento de libertação. Outra questão aqui é o terrorismo de Estado. O que é? Existe quando as forças de um país atacam movimentos de emancipação regional provocando vítimas. Espanha tem esse problema em cima.

Com esta definição de terrorismo pretende-se que os Estados cumpram os limites. Neste momento está a fazer-se uma coisa importante: congelando contas bancárias de líderes de movimentos terroristas, impedindo as viagens internacionais dos mesmos etc.

Há uma questão lateral nisto que é a proliferação nuclear. Os EUA têm tentado ligar uma coisa à outra: dizer que para combater o terrorismo deve-se controlar a proliferação nuclear, porque consideram que os países que estão a fazer proliferação nuclear à margem da agência internacional de energia atómica, têm fins de acção terrorista.

Como se pode ver, a actuação da ONU está limitada por falta de definição, mas está a trabalhar-se nesse sentido.

 
Anne Sylvie Hertgen
Bom dia, queríamos saber em que medida a reforma da ONU poderá melhorar a sua actuação nos países em dificuldades, nomeadamente em África, onde ainda recentemente a sua intervenção humanitária foi criticada.

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
Há uma declaração, que foi considerada um documento muito importante para a questão africana, que é a declaração do milénio. Há nela um capítulo que se chama “atenção especial para África”. O documento que se está neste momento a preparar tem também uma parte dedicada a África, e além de que as Nações Unidas têm feito uma série de declarações destacando que os países africanos têm uma necessidade especial pelo que têm de ser tratados de forma especial. Esta reforma que será feita em Setembro tem também um capítulo sobre África.
Parece-me que me estou a repetir, mas adivinhem lá qual é uma das partes que o embaixador americano quer retirar da declaração? É a parte especial dedicada a África! Porque consideram que já há muitas declarações e seria o reiterar de compromissos.

Mas esta reforma das Nações Unidas tem um compromisso especial com África porque reconhece que África tem necessidades especiais e a lógica de reafectação de recursos da gestão orçamental diz que tudo o que se poupar deve ser canalizado para ajudar África.

O último relatório do Sec-Geral, que se chama “Em maior liberdade” tem capítulos especiais sobre África e o que ele tenta fazer não é dar um modelo para África mas sim propor prioridades aos governos africanos (erradicação do analfabetismo, combate à doença, promoção do ambiente, etc) de forma a que não se hipoteque o futuro do continente.

Em suma, a reforma fala desta optimização dos recurso de modo a que a ajuda a África possa ser melhor.

Outra matéria em análise prende-se com o critério da ajuda: valoriza-se o mérito ou a necessidade? Ajuda-se quem mais precisa ou quem dá provas de que sabe gastar o dinheiro? Está a tentar-se uma mistura destas duas.

Notem que o G-8 perdoou a dívida de uma série de países e há uma outra coisa que se tenta desde 1970 que é o cumprimento dum compromisso firmado pelos países da OCDE de afectarem 1% do seu PNB para a ajuda ao desenvolvimento. Essa meta foi revista há uns anos e agora está em 0,7%.
Ninguém cumpre, à excepção da Suécia e Dinamarca, embora não seja na totalidade.

Os Estados Unidos querem que esta referência saia da declaração porque eles cumprem com menos de 0,2%.

Mas a resposta é esta! Quando se diz que não é possível erradicar a fome e a pobreza em África, o Sec-Geral vem dizer que desde que os Estados paguem 1% as coisas fazem-se.

Lembram-se de uma campanha da Sharon Stone angariar dinheiro em Davos? 5 dólares por cada mosquiteiro! É a demonstração que medidas muito simples conseguem eliminar a pobreza (ou neste caso eliminar a malária).
Ela em Davos conseguiu milhares de dólares de imediato! E quem é que recusa dinheiro à Sharon Stone? RISOS.

APLAUSOS

 
Abdel Gama
Obrigado Dra. Mónica Ferro pela excelente aula que aqui nos deu.
O Grupo Roxo tem a seguinte pergunta: o critério do equilíbrio geográfico no Conselho de Segurança será a melhor forma de começar as urgentes reformas e consequente relançamento do papel da ONU?
Obrigado

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
Eu acho que não! Sinceramente acho que não!
Porque é que se está a recorrer ao critério geográfico? É que é o mais fácil de perceber. A lógica do critério geográfico está a ser agora usada no ingresso de Estados para o Conselho de Segurança, tirando o Japão e a Alemanha.
Abrindo um parêntesis, vejam como ficará a UE com a Alemanha no Conselho? Já lá temos o Reino Unido e a França… e quando a UE for uma união política (depois o Carlos Coelho pode falar-nos disso), será que sairão todos para entrar uma representação da UE? Será que não ficaremos a perder?

O critério geográfica tem sido usado como lógica de representação simples, mas tal não chega: se África tem 53 Estados, por que razão teria apenas um representante? O mesmo com a Ásia. Por que não eliminar algum representante europeu a bem do equilíbrio?

Acho que se deveria pensar num misto de critérios: representatividade geográfica, contribuição financeira para operações de paz, contribuição de pessoal para as operações de paz (o Bangladesh e o Paquistão são, de longe e neste pormenor, os maiores contribuintes) …
Embora não me pareça boa ideia, o critério geográfico leva vantagem sobre muitos outros, pois é facilmente compreendido e aceite.

PALMAS

 
Nuno Ferro
Em nome do meu grupo quero agradecer a sua presença aqui hoje e em meu nome pessoal devo dizer que gosto muito do seu apelido RISOS.

Falámos de questões humanitárias e de manutenção de paz, mas é sabido que a ONU não se prende só com isso. Tem também uma ligação às comunicações internacionais.

Numa altura em que se fala na regularização da Internet (visto não existirem regras na sua utilização), pergunto se as estruturas da ONU podem ter uma palavra a dizer.
Obrigado.

 
Dra.Mónica Ferro
A questão da Internet tem sido tratada por mais que uma organização internacional, porém tem sido difícil.
Onde tem havido mais avanços é curiosamente na UNESCO e na OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), que trata do registo de patentes, etc.

O grande problema da regulação da Internet é que há muito pouca coisa feita. Mais, os Estados não abdicam de querer controlar os fluxos de comunicação para o seu próprio país. Há Estados que não admitem uma Internet livre.
Em Cuba o Governo diz que tem o direito de controlar a informação que entra para a ilha e o argumento é sempre: o que vem de fora pode perverter a cultura nacional, argumento sobretudo usados por países árabes mais fundamentalistas.
Assim é difícil chegar a um consenso na matéria.

Não estou muito por dentro do sector mas sei que se tem feito alguns avanços no ciber-terrorismo. Um dos professores da minha faculdade esteve durante algum tempo ligado ao Serviço de Informações e ele conta que neste momento se sabe que uma das maneiras mais fáceis de lançar um ataque terrorista é pôr a circular na Internet uma piada, uma anedota. Os terroristas não usam mensagens do tipo: amanhã vou fazer explodir uma bomba! Não, eles usam este tipo de mensagens mais simples.

Eu ainda sou da geração antes da Internet, assisti aos primeiros passos da Internet. Ainda fiz o curso sem computador!
Há muita coisa que é necessário fazer, nisso tem razão, mas a ONU está atenta.
Lamento não saber muito mais sobre este tema.

 
Filipe Beja Simões
Bom dia, em primeiro lugar, gostaria que abordasse o tema da igualmente contributiva Vs igualdade política.

Em segundo lugar, uma vez que se fala em crises de segurança, para si quem é o verdadeiro líder do mundo? O Sec-Geral da ONU ou o Presidente dos EUA, quer ele seja Democrata ou Republicano?

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
Vou responder ao primeiro desafio que me lançou a ver se arranjo qualquer coisa para dizer no segundo.

RISOS

A questão da igualdade jurídica, política e contributiva no seio das Nações Unidas tem sido levantada há muitos anos. Sobretudo na década de 60, quando houve uma série de admissões na ONU. Os chamados micro-Estados, por exemplo. Ele dizia que eram Estados alcatifáveis, porque se os quiséssemos cobrir de alcatifa não seria muito caro.

Todos aqueles pequeníssimos países do pacífico estão em plena igualdade com os restantes. E todos têm igualdade sem olhar ao seu peso, demografia, densidade, contribuição, etc.
E tem sido discutido se isso é justo!

É matematicamente possível que 3% do orçamento da ONU aprove uma decisão. Ou seja, é possível juntar um grupo de Estados que perfaçam 3% do orçamento das Nações Unidas e que consigam aprovar medidas que todos os outros terão de pagar.

Neste momento os três grandes contribuidores são EUA (22%), Japão (19%) e Alemanha (cerca de 17%). Os pequenos Estados juntos conseguem fazer aprovar qualquer medida sendo que o seu custo ficará a cargo dos países que ficam de fora das votações!
Esta é a razão pela qual as medidas de desenvolvimento nunca chegam a ser aplicadas.

Há uma medida que nunca foi implementada, embora tenha tido apenas 10 votos contra (o G-8 mais dois EM).

O que os EUA e outros Estados têm pedido é que se faça um equilíbrio entre o que cada um paga e o que cada um pode pagar. Como no FMI: cada Estado tem 1 voto e mais x votos por cada quota de capital que subscreva.
Porém, assumir isso na ONU é dizer que os Estados não são todos iguais.

Vamos às crises de liderança.
Eu gosto muito do Kofi Annan. Tenho uma foto dele no meu gabinete e um dia destes uma funcionária da faculdade comentava com a chefe de secretaria: o marido da Dra. Mónica é tão velho, coitada!

RISOS E PALMAS

O que me atrai é a ideia da figura, alguém que age em nome dum ideal, em nome duma ideia de comunidade internacional. Isso atrai-me muito. Mas sou obrigada a admitir que o presidente americano, qualquer um, tem muito mais poder que o Sec-Geral das Nações Unidas.

Lembram-se do antecessor do senhor Annan? Era Butros-Butros Gali. Ele foi o único Sec-Geral a não ser reeleito (é da praxe ser-se reeleito). Fez um primeiro mandato muito complicado porque o mundo estava em mudanças, e quando quis apresentar a sua recandidatura, os americanos disseram-lhe que não valia a pena porque eles iam vetar o nome dele no Conselho de Segurança (ele é primeiro eleito no Conselho de Segurança e depois pela Assembleia Geral das Nações Unidas).

Ele candidatou-se à mesma e teve 14 votos a favor e um contra. O voto contra foi americano, o que lhe impediu a reeleição.

Esta sugestão do Kofi Annan foi curiosamente americana, que era um funcionário da ONU e na ONU fez toda a sua carreira. Eles estavam à espera de alguém que aceitasse muito mais facilmente instruções. E se o primeiro mandato foi calmo para os americanos, este segundo está a criar vários problemas aos EUA.
Eu penso que tal se deve ao facto de Kofi Annan saber que já não pode ser reeleito…

Mas realmente, o Presidente dos EUA tem um poder fantástico, quer por este motivo, quer não pagando as quotas… coisa tão simples quanto isto.
E embora ela diga que é adepto das Nações Unidas, a verdade desmente-o, pois na questão do Iraque ele fez as contas e viu que a sua vontade não passava na ONU e não levou a questão à ONU!

 
Vasco Rosa da Silva
Bom dia a todos.
A Dra. Mónica disse-nos que nos dias de hoje não podemos tratar dos problemas isoladamente.
A nossa questão prende-se com o desenvolvimento e com a pobreza e um pouco sobre as diferenças entre o hemisfério norte e o sul.

Fala-se do paradigma da boa governação, que nos diz que os recursos devem ser bem utilizados para servirem melhor as populações. Mas nós vemos que em muitos países pobres se maltrata indecentemente este princípio.

Porém, os países ricos têm negócios com esses países.

Eu pergunto se não deveria existir também um princípio da boa governação dos países ricos na relação comercial com os países menos ricos.

Obrigado.

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
A única coisa que me ocorre dizer é que concordo plenamente, claro.
A questão do desenvolvimento não pode, de facto, ser tratada isoladamente. E quem achava que os países ricos estavam imunes aos problemas que afectavam os Estados em vias de desenvolvimento, basta vermos os fenómenos de imigração clandestina, o terrorismo (a pobreza é uma causa de terrorismo), etc.

A questão da boa governação tem sido posta muitas vezes sobretudo na avaliação de resultados. Aquilo que eu dizia sobre o critério do mérito Vs critério da necessidade é muito resultado disso: será que vamos dar ajudar a países que reiteradamente dão mostras de corrupção, desvio de dinheiros, etc.
E a corrupção é um dos grandes temas das Nações Unidas este ano porque já se chegou à conclusão que a corrupção desvia cerca de 20% do bom resultado dos projectos (é uma estimativa baixa).

E notem que nem sempre a ajuda é por questões humanitárias: muitas vezes é por geo-estratégia, para conseguir mercados mais favoráveis, (às vezes, para se conseguir uma linha de concessão petrolífera, vale a pena fechar os olhos a uma questão de direitos humanos), etc.
No campo das relações internacionais, o mercado continua a ser quem dita as relações. O Prof. Adriano Moreira fala muitas vezes da “teologia de mercado”.

Tem-se pedido aos Estados que não incentivem nem pactuem com a má administração dos países que recebem fundos, mas isso tudo cai por terra quando em causa está poupar um dólar ou não…

PALMAS

 
Bruno Pinheiro
Bom dia, antes de mais, em meu nome e em nome do grupo encarnado quero agradecer a sua presença aqui e a sua excelente conferência bem como o ambiente de empatia criado.

A nossa pergunta vai em direcção à Coreia do Norte e terrorismo. Como sabemos, a Coreia está a aumentar o seu poder bélico e a pergunta é esta: qual o papel da ONU sobre isto e o que deve ser feito em casos semelhantes.
Obrigado.

 
Dra.Mónica Ferro
Essa é um tema importante e actual, assemelhando-se um pouco à questão do Irão.
O argumento da Coreia do Norte, supostamente cai dentro dos limites da lei. Dizem que estão a aumentar o seu potencial nuclear para fins energéticos, que é uma utilização legal (por ser um uso pacífico).

As Nações Unidas têm enviado para lá delegações de fiscalização da Agência Internacional da Energia Atómica, AIEA (os mesmos que andaram no Iraque).
A AIEA tem um poder muito pequeno pois eles vão ao terreno mas só vêem o que os Governos lhes mostram. Não têm acesso ilimitado nem liberdade de circulação.

A Coreia do Norte tem sido considerada pelos EUA como uma ameaça, a Condoleezza Rice chamou-lhes um dos bastiões do terrorismo pois teme-se hoje o terrorismo nuclear. Com energia nuclear é preciso muito pouco para destruir uma grande cidade.

A Coreia está sobre permanente vigilância, os americanos propõem agora o envio duma força de paz, embora eu não creia que seja a melhor solução. Aliás, já fizeram saber que até seriam adeptos do envio de forças militares.

Até porque a Coreia do Sul, que é um aliado de vários países ocidentais, sente-se ameaçada com toda esta procura nuclear do seu vizinho.

Neste momento há diversos países, nomeadamente da UE, a tentar encontrar outras soluções para a produção energética da Coreia do Norte.
Se eles são um bastião do terrorismo ou não, não tenho a impressão que seja o mais grave, o mais grave parece-me sobretudo o Irão.

E vejam que o argumento da energia é muito válido, e não se pode chamar mentiroso a um Estado e mesmo que se tente enviar uma comissão de fiscalização, ninguém pode ser obrigado a abrir as suas fronteiras.

Vejam que as ONG têm uma ampla margem de manobra pois não estão sujeitas às normas de direito internacional. O fundador dos Médicos Sem Fronteiras dizia que o seu sonho era passar legalmente as fronteiras dum país um número par de vezes, pois não excluía atravessá-las ilegalmente.

As ONG têm uma acção muito mais ampla por isso. E a maioria dos relatos sobre violação de direitos humanos vêm de ONG’s e não de Estados, pois estes não podem chamar mentirosos aos restantes Estados, não fica bem…

PALMAS

 
Jorge Azevedo
Bom dia a todos.

Hoje em dia apresentam-se à ONU novos desafios de segurança, tais como tráfico de droga, crime organizado, terrorismo, e desafios nos conflitos dentro dos Estados e regionais.
Por este motivo cada vez mais se discute sobre os entendimentos entre a ONU e os actores regionais, UE, Nato, OSCE, etc.
Mas este possível alargamento de cooperação tem levantado problemas a nível legal e financeiro destas operações conjuntas.

Por outro lado, essas parcerias podem também subverter os objectivos reais da ONU por estarem a dirigir a organização segundo interesses regionais. Em sua opinião, em que moldes deveriam ocorrer estes alargamentos de cooperação?
Obrigado.

 
Dra.Mónica Ferro
Este é um dos meus temas preferidos.
Há uma operação que mostra como é que as Nações Unidas conseguem colaborar com outras organizações, revelando as potencialidades e os insucessos: é o Kosovo.
A administração interina do Kosovo é um bom exemplo de cooperação. A delegação é chefiada pela ONU mas a componente de segurança é da Nato, a componente de construção de instituições é da OSCE e a reconstrução económica está a cargo da UE.
Isto é um exemplo de como se pode montar operações internacionais com várias organizações sob o chapéu unificador das Nações Unidas.

Quais as vantagens duma organização regional? A proximidade, que confere eficácia pois conhece melhor o terreno e as partes em conflito; promove a tal ideia de comunidade internacional (segundo a qual não há um só actor mas vários a tentar resolver conflitos).

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

O que as Nações Unidas têm feito também, ultimamente, são as operações de construção de Estado (as pessoas gostam muito de dizer estas coisas em inglês “state building”).
Esta área da construção de Estados mostra a verdadeira necessidade da ONU e das organizações regionais trabalharem em conjunto. O que mudou, pós 1990, além da implosão do império soviético, foi o surgimento de outro tipo de conflitos.

Nós estávamos habituados a que as guerras se processassem todas da mesma maneira: um Estado declarava guerra a outra, lutavam e quem é que morria? Os soldados! As guerras eram todas assim. Actualmente as guerra são mais intra-estaduais, cada vez mais civis, e quem é que morre? Toda a gente! Soldados, civis, muitas crianças, muitas mulheres, etc.
Hoje em dia não há ninguém que fique impune aos conflitos.

Por isso a importância da cooperação. E hoje em dia é preciso ir mais longe do que meramente impedir o reacendimento dos conflitos: hoje vai-se às causas. Isso pressupõe uma análise e conhecimento profundos, o que está mais ao alcance das organizações regionais.

Mesmo porque é do interesse da região a paz entre os Estados dessa região. Saibam também que há um termo novo que é o conceito de “responsabilidade de proteger”. É um termo que poderá ser desenvolvido se o Sec-Geral conseguir levar o seu projecto em frente. O que diz este conceito: os Estados, mais do que terem o direito de intervir para protegerem uma população, os Estado têm esse dever. Por exemplo, Portugal tem a responsabilidade de proteger os espanhóis, os italianos, franceses, etc.
É uma lógica diferente.

Notem que no meio disto tudo também há um problema de vaidades: por exemplo - qual é que é a organização que será a porta-voz do território? Isto tem levantado problemas enormes!
Outro exemplo: onde será a sede da operação? Isto tudo tem de ser resolvido…

Resumindo, como se vai resolver melhor a questão da cooperação ao nível regional? Não sei, terá de ser com outro paradigma, pois com este e com estas regras não é certamente, devido às actuais normas de relacionamento entre Estados e organizações.
Agora eu acredito que é este o caminho.

De qualquer forma, eu defendo que se deve mudar da actual postura de reacção para uma postura de prevenção. Ir às causas dos conflitos antes de eles terem lugar.

 
Rita Ribeiro da Silva
Bom dia e desde já muito obrigado pela sua exposição.

Nós constatamos uma dicotomia dentro das Nações Unidas: enquanto os seus princípios condenam qualquer atentado aos direitos humanos, o seu Conselho de Segurança não mostra total identificação com os mesmos. Não deverá esta reforma das Nações Unidas reformular esta hipocrisia?

 
Dra.Mónica Ferro
Eu, para além de leccionar ONU, dou também uma cadeira chamada “Ingerência Humanitária” e há uma história que eu costumo contar que é muito reveladora.

Passa-se em 1933 na Sociedade das Nações (antecessora da ONU), e numa reunião está presente um senhor chamado Bernhein, um judeu da Alta Silésia, e apresenta-se perante a Assembleia Geral denunciando o facto do regime nazi estar a invadir e destruir as sinagogas, violar liberdades e garantias acordadas, invadir e destruir casas, etc.
E ele vem denunciar as agressões nazis a uma série de grupos sociais, tais como os judeus.

A resposta do representante alemão é considerada o paradigma na não-ingerência: meus senhores, cada um é dono de sua casa, nós fazemos o que queremos dos nossos socialistas, nos nossos pacifistas, dos nossos judeus e não devemos a ninguém qualquer satisfação.
Ele chamava-se Goebbels.

Vejam que não houve sequer a tentativa de negar. Disse apenas: não têm nada a ver com isso. Era assim que funcionava a Sociedade das Nações.
As organizações internacionais não tinham nada a ver com o que se passavam nos Estados. Por vezes iam comitivas aos locais, mas eram “excursões” organizadas e eles só viam o que Estados deixavam.

Há filmes onde isso se vê muito bem, em que os bairros de lata perto dos aeroportos onde aterravam as comissões de fiscalização eram entaipados para mostrar um país em progresso e disfarçar.

Na Carta das Nações Unidas há uma coisa que diz assim: nada na presente carta autoriza a ONU a actuar em questões que dependam exclusivamente da jurisdição interna dos seus Estados. (artigo 2º, n.º 7, o princípio da não intervenção).

De cada vez que a ONU pensa em actuar num Estado, o Estado atira logo com o artigo 2º/7… porque dizem que nada na Carta autoriza actuações dentro da sua jurisdição, e são os Estados que definem o que é da sua jurisdição!

Mas atenção, o artigo 2º/7 diz, no final, que as excepções ao mesmo estão mencionadas no artigo 7º. O que é isto? São as acções do Conselho de Segurança!
Ou seja, o CS quando quer, pode actuar, porque há esta reserva. E o CS já o fez: a primeira vez foi quando enviou uma missão ao Norte do Iraque para proteger os Curdos.

Portanto, isto é para verem que antigamente ainda se fazia muito menos do que se faz agora. Agora já se envia para o terreno missões de direitos humanos, dá-se formação em termos de direitos humanos, há preocupação com a construção de instituições democráticas, etc.

Tem-se andado muito. Porém, eu concordo que os maiores prevaricadores são quem tem as maiores responsabilidades, como o caso da China (vejam o Tibete e outras minorias) ou da Rússia (vejam a Tchechenia, etc), e os próprios países ocidentais são referidos em relatórios de direitos humanos (Portugal é referido, pouco, mas referido – quase sempre os problemas das cadeias).
O que é que se tem proposto? Neste momento há uma comissão de direitos humanos (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos), que deve fiscalizar estas realidades, essa comissão vai acabar e será erguido um Conselho de Direitos Humanos, um pouco à semelhança do Conselho de Segurança, embora não haja acordo ainda. Não se sabe quantos Estados lá vão estar, quais serão os poderes, se será um órgão principal ou subsidiário, etc.

Isto acontece porque não é possível ter um órgão com responsabilidades na monitorização dos direitos humanos onde estão a Líbia, a Síria, Cuba…
Estes são Estados que todos os dias violam os direitos humanos dos seus cidadãos.
Hoje em dia fala-se de “democídio”, algo como o homicídio praticado pelo Estado. Vejam como a linguagem é prova das mudanças no mundo…

 
Marco Azevedo
Bom dia. Em nome do grupo rosa, saúdo-a pela clareza da exposição.

A Sociedade das Nações foi a primeira organização internacional criada pelos Estados para defesa da paz. Mas a sua dificuldade em se afirmar perante os Estados mais poderosos decretou o seu fim.
Este fracasso da missão da ONU na regulação do diálogo internacional não poderá levar igualmente ao fim desta organização? Teme esse fim?

PALMAS

 
Dra.Mónica Ferro
Eu espero bem que não, espero bem que não.
Sabe, eu digo muitas vezes nas aulas que não é feita a justiça que é devida à Sociedade das Nações. Luto sempre para que se elimine as expressões falência, fracasso, relacionadas com a SN.
O facto é que modelo ruiu, isso é evidente. A organização foi criada para tratar da paz após a I Guerra Mundial e isso diz bem do fim imediato que tinha a estrutura, mas eu acho que deve ser feita justiça à organização, pois foi realmente o primeiro modelo que existiu, como todas as dificuldades (politicas e técnicas) da altura.
Há uma falha técnica que até dá para rir que está patente num artigo que diz que os Estados devem cooperar para eliminar o tráfico de “mulheres, crianças, ópio e outras drogas nocivas”

RISOS

Juntar mulheres e crianças com ópio e outras drogas nocivas não é brilhante. Isto mostra que havia até uma grande ingenuidade na altura. E há falhas ainda maiores.
Uma das falhas gravíssimas é o facto de não se prever sanções efectivas, outra falha tem a ver com a regra de adopção de decisões (tinha de ser por unanimidade, coisa que não era possível com 50 e tal Estados).
A Sociedade das Nações acabou por falir por causa disso e a II Guerra Mundial não ajudou em nada o processo.

A ONU é uma organização mais bem preparada para assimilar as próprias dificuldades, até porque não está tão presa ao objectivo da paz.
E vejam que não houve guerras mundiais durante a vigência da ONU. Os conflitos eram resolvidos em blocos (uns pelo bloco EUA/Nato, outros pelo bloco Pacto de Varsóvia). E havia aquilo que se chamava “guerras por procuração”, como no caso de Angola: os Estados não se digladiavam mas todos sabiam que uma das forças era apoiada pelos EUA e outra pela URSS.

Mas o que é facto é que as Nações Unidas têm mantido a paz. Embora a ONU por vezes pareça uma espécie de bela adormecida que precisa do beijo do príncipe para acordar (sendo que o príncipe neste caso são os EUA).

Não me parece que a ONU fracasse, nem consigo imaginar um mundo sem Nações Unidas (confesso que seja um pouco por estar habituada a estudar estas coisas, por ter t-shirts das Nações Unidas e fotos do Kofi Annan, etc).
Eu tenho uma t-shirt das Nações Unidas para a minha filha usar quando tiver 6 meses… eu não tenho clube de futebol….

RISOS

Embora o meu coração seja azul e branco…

PALMAS E ASSOBIOS

Eu nasci no Porto, pelo que têm de me perdoar este deslize.

De qualquer forma eu não acho que as Nações Unidas possam acabar num futuro próximo. Temo sim pelo que se vai passar em Setembro porque neste grande impulso da “reforma dos 60 anos” estamos todos preparados para ver nascer mecanismos mais eficazes mas, muito possivelmente, iremos constatar que a ONU é mesmo aquela bela adormecida que sem o beijo do príncipe norte-americano não vai a lado nenhum.

Aliás, um embaixador norte-americano diz mesmo “there are no such thing as United Nations”, Nações Unidas ? O que é isso?
Sendo ele o embaixador dos EUA nas Nações Unidas, eu temo pelo bom sucesso da reforma.

Porém eu acho que a capacidade de reacção das Nações Unidas será sempre cada vez melhor, ou não fosse eu uma eterna optimista.

Obrigada!

PALMAS

 
Dep. Carlos Coelho
Temos alguns minutos para perguntas e pedia a todos que fossem sintéticos.
Vamos prosseguir com grupos de duas questões.
 
António Braga de Carvalho
Bom dia à mesa.
Se se verificar a entrada dos tais 4 novos membros permanentes, deverão eles ter direito a veto? É que se com 5 a unanimidade é difícil, com 9 poderá ser pior.

Obrigado.

 
Ricardo Videira
A actuação da ONU é muito condicionada pela vontade dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Veja-se que na questão do Iraque, mesmo sem aval da ONU, os americanos não tiveram qualquer dúvida em avançar com os seus aliados.

Isto cria desequilíbrios no direito internacional. De que forma se pode repor esse equilíbrio?

 
Dra.Mónica Ferro
Dá até para responder a estas duas questões em conjunto.
Nesta reforma que se está a gizar, reconhece-se que o veto tem sido um obstáculo à acção da organização. Nos primeiros anos da ONU havia países (como a URSS) usaram do veto em quase todas as matérias que chegaram ao Conselho de Segurança.

Por exemplo, Portugal só entrou em 1955 para a ONU porque nos vetaram as candidaturas antes. Mesmo assim o record é italiano, a Itália foi o país mais vezes vetado na sua entrada. A lógica era simples: sempre que aparecia um candidato pró ocidental a URSS vetada, quando aparecia um candidato pró leste ninguém tinha de vetar porque nunca conseguiam o número de votos suficientes (os ocidentais estavam em maioria).
Esta imagem serviu para criar uma imagem ainda mais negativa da URSS, mas a verdade é que usava o único recurso que tinha à sua mão para fazer o que o ocidente não precisava de fazer.

O actual entendimento nocivo do veto faz com que actualmente se entenda que os Estados se podem ausentar na votação. A ausência quer dizer isto: eu não concordo com a acção mas não discordo ao ponto que querer paralisá-la.

Presentemente a Alemanha, Brasil, Japão e Índia são os países mais bem colocados, no âmbito da reforma em curso, a serem membros permanentes. Eles começaram por pedir o direito ao veto, porém a União Africana (que são 53 votos a favor) já veio dizer que com veto terão de repensar o seu apoio aos 4 candidatos. Isso fê-los recuar e agora já prescindem do veto.

Isso mostra o quão sensível esta questão é. A ideia de retirar o veto a todos nunca vai passar, até porque a Rússia já disse terminantemente que não quer ficar sem esse mecanismo.

O veto tem sido o mote do compadrio dentro da ONU. Porque é que acham que Israel nunca foi alvo duma missão? Os EUA em 2004 usaram uma vez o veto e foi precisamente para vetar uma missão em Israel. Das outras vezes têm conseguido que a questão não seja discutida, não suba, etc.

É curioso que os Estados reconhecem que o veto é o instrumento para paralisar as acções, mas mais curioso ainda é que foi para isso que se criou o veto na ONU, para não se criar nada à revelia dos grandes.

Uma das coisas que se pensa nesta reforma é estipular que quando houver 14 votos a favor e só um veto, esse veto não tem efeito. Eu duvido que isto passe…

De qualquer forma, a questão do Iraque mostrou que quando determinados países querem actuar, actuam de qualquer forma. Foi isso que provocou a erosão da credibilidade das Nações Unidas. Todos sabiam que as Nações Unidas funcionavam mal mas ninguém tinha ainda enfrentado a estrutura desta forma. O EUA disseram: ai não me dão o aval? Não importa, eu vou ao Iraque à mesma!

Penso que só mudando as regras de funcionamento do veto é que as coisas poderão mudar. Com a Carta e as regras actuais, não vamos lá.
É que quando foi o bombardeamento da Nato na Ex-Jugoslávia foi pior. O Sec-Geral da ONU disse inicialmente que tudo aquilo foi feito à margem das Nações Unidas mas posteriormente contemporizou, justificando a posteriori

Em suma, não precisas novas regras!

 
Fernando Teigão dos Santos
Dra. Mónica, parabéns pela qualidade da intervenção, não pude também deixar de notar que é comentadora da RTP para questões internacionais. Espero que tenha sucesso que possa ajudar a substituir algumas daquelas caras do costume, Nunos Rogeiros e companhia, para as quais já não há a mínima pachorra.

Vozes:
Muito bem

PALMAS

A minha questão tem a ver com a globalização.
Temos visto o crescente peso da Organização Mundial do Comércio (OMC): será que esta tendência também não tem contribuído para uma erosão maior das Nações Unidas?
Como vê a relação entre estas duas entidades?
Obrigado.

 
Nélson Faria
Bom dia a todos.
Devo dar-lhe os parabéns pois com muita leveza, consegue abordar estas questões sem nunca ser ligeira. Penso que é notável.
A minha questão é sobre o alargamento do Conselho de Segurança. Dois dos sérios candidatos são o Brasil e a Índia, que fazem parte do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), tidos como grande dinamizadores do futuro.

Porém, fala-se também de dois partidos africanos. Que dois africanos serão esses? África do Sul? Um país grande mas muito idiossincrático! Senegal? Angola? Um país com grande poderio militar? Moçambique, que está no lote dos mais pobres do mundo? Que países poderão ser?

Obrigado.

 
Dra.Mónica Ferro
A OMC não está dentro das Nações Unidas, embora o seu antecessor (o GATT) tivesse muitas ligações à ONU.
De qualquer forma, há mecanismos de cooperação entre a OMC e a ONU e há vários pontos de contacto, mas a verdade é que, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, os modelos são completamente opostos. Antagónicos mesmo.

Nesta matéria as Nações Unidas têm no seu seio alguns organismos importantes, sendo um deles a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (CNUCD), que se afirmou durante muito tempo como uma organização anti-GATT. Era o outro lado do espelho, pois achava que aquilo que interessava aos países em vias de desenvolvimento não era um modelo de globalização pretendido pelo GATT/OMC.

Quando vejo os movimentos na rua, não creio que sejam movimentos contra a globalização, mas sim contra este modelo. E as Nações Unidas, neste sentido, têm feito um trabalho que fica um pouco à margem dos cabeçalhos dos jornais, nomeadamente com estruturas como o CNUCD.

O Sec-Geral criou uma coisa chamada “pacto global” que é uma proposta alternativa para a globalização de mercados. E tem chamado muito à atenção para parcerias Sul/Sul, (em vez de dependermos muito da lógica Norte/Sul).
O Sec-Geral tem proposto estes percursos alternativos (tal como melhorar o serviço de registo de patentes, que é sobretudo oneroso para países pobres), mas sempre tentando não antagonizar a OMC, porque depois quem é que paga o orçamento da ONU? Os Estados que estão na OMC…

Quando se falava duma Carta da década de 70 que prevê medidas de desenvolvimento, essa Carta foi aprovada mas nunca implementada porque quem tinha a capacidade de a implementar não votou a favor.
As lógicas de exploração só se mantêm quando interessam a quem explora.

Pensando agora nos países africanos, há um que aparece sempre referido, que é a Nigéria, até porque no contexto africano tem sido um país estável. A África do Sul é também um candidato forte. Notem que, sobretudo com Mandela, teve um papel importante na mediação de conflitos regionais, na demonstração de abrir a sociedade sul-africana e corrigir os erros passado, etc.

Já se falou no Egipto mas não parece um candidato sério: não é suficientemente africano para ser um país representativo de África. A África magrebina é muito diferente da África subsaariana.

Angola também aparece muitas vezes, embora tem os óbices da guerra, da estabilidade política e da corrupção.

Mas de facto o único candidato sério é a Nigéria.
O petróleo não deverá ser alheio…

 
Filipe Beja Simões
Gostaria de lhe perguntar sobre o State Building.
Falou sobre Timor: o que acha do tipo de modelo que nós levamos para esses Estados?
É que esses Estados têm as suas especificidades sociais e políticas e os ocidentais chegam e impõem regras e democracias que não são as regras e democracias deles.

No caso de Timor parece que não está a resultar da melhor maneira e já tivemos o eco duma instabilidade perigosa.

No Iraque, estamos a trabalhar numa Constituição com um pouco de americano e um pouco de europeu que pouco tem a ver com os iraquianos!

Obrigado.

 
Magda Borges
Bom dia, é com muito agrado que vemos professores que imprimem paixão naquilo que fazem, muito obrigado!

Vozes:
Muito bem

PALMAS

Eu tenho uma curiosidade especial quando à gestão do “género” na ONU, mas deixo isso para segundo plano porque só posso colocar uma questão (RISOS).

Tendo em conta o crescente poder dos media junto dos cidadãos, de que forma lidam as Nações Unidas com a pressão da opinião pública: há uma postura de abertura ou encerramento sobre si mesmos?

Obrigada.

 
Bruno Pinheiro
Mais uma vez bom dia.
Falou há pouco de Israel e do favorecimento que tem por parte dos EUA.
Frequentemente os EUA financiam e canalizam verbas e armamento para Israel.
O que pensa do papel da ONU nisto.

E, já agora, as ONG e a comunidade internacional denunciam violações gravíssimas aos direitos humanos em Israel, no entanto é quase impossível à ONU fazer face a isto.

Queria saber o porquê de tanta protecção assim! Esta obstrução constante dos EUA e esta incapacidade de acção da ONU não é uma prova que esta tem de mudar a vários níveis?
Obrigado.

 
Dra.Mónica Ferro
Vou começar por Timor e pelo Iraque.
Há dias ouvi um teórico português dizer que o truque no Iraque era construir lá instituições democráticas, saíamos de lá e eles começavam a comportar-se de forma democrática.

RISOS

Juro-vos que foi isso que ele disse. Não vou dizer o nome da pessoa porque lhe ficava muito mal…

Eu estive em Timor quando lá esteve a delegação internacional e tinha-se a sensação que se estava num sítio diferente de tudo. Há um artigo dum americano especializado em Timor, o texto chama-se “O reino das Nações Unidas em Timor Leste” e era isso que se sentia.
Eu lembro-me de estar num café a ver passar carros e os carros que passavam eram jipes brancos da ONU. Parece que estamos num país diferente.

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

Na primeira eleição para a Assembleia Constituinte de Timor, a Fretilin teve uma votação tão grande porque as pessoas achavam que estavam a votar no Xanana Gusmão. Muita gente não sabia o que estava a fazer.

Em países com pouca tradição democrática, é muito difícil explicar as coisas às pessoas. Coisas simples como a diferença entre presidente e ministro, etc.

Entretanto, Timor é, no papel, a democracia mais avançada na zona! Tem a Constituição mais avançada da região. Por exemplo, (fazendo uma perninha na questão da Magda) na questão de género Timor é o país avançado da zona porque, tendo sido criado internacionalmente, ratificou todos os tratados que há sobre a eliminação da discriminação de género. Estão avançadíssimos. Mas será que os timorenses vivem segundo a letra das suas leis? Claro que não!
O maior crime registado por lá neste momento? Violência doméstica.

A prática não tem nada a ver com a teoria.
Num Estado laico, veja-se a influência da igreja. É por isso que muitos dizem que o país foi construído de fora para dentro.
Mas isso aconteceu porque não havia timorenses nas estruturas de construção de instituições. Uma das primeiras coisas que Sérgio Vieira de Melo fez quando chegou a Timor foi convidar timorenses para as estruturas.

Diz-se que as Nações Unidas nunca aprendem com os erros e já se diz que a missão que foi enviada para Timor era a que devia ser enviada para o Kosovo, a missão que foi enviada para o Afeganistão era a que devia ser enviada para Timor, etc…

Portanto, é muito grave tentar construir uma democracia de fora para dentro.

O Iraque parece-me um caso de enorme negligência. Se a ONU está envolvida em processo de construção de Estados há muitos anos, os EUA estão há muito mais – e não vos deu a sensação que os americanos chegaram ao Iraque sem nada pronto?
As coisas iam sendo tratadas à medida que iam aparecendo.

Os Estados não estão preparados para construir Estados!
A Condoleeza Rice dizia que não treinava um soldado americano (que custa milhares de dólares) para irem escoltar criancinhas à escola! Porque uma das coisas que se vai fazer quando se constrói Estados é levar crianças à escola!
Há uma série de desfasamentos que só podem ser satisfeitos por realidades supranacionais, tendo sempre em conta as realidades locais. Há quem considere que se deve reunir uma lista de especialistas na construção de Estados e nesta lista devem estar pessoas conhecedoras das realidades regionais.

Para voz dar um exemplo, vários jovens foram recrutados em Timor para realizar inquéritos mas esqueceram-se que não se pode mandar jovens falar com anciãos, porque os anciãos não prestam contas a jovens! Há estes problemas culturais que têm de ser atendidos.

Sobre a questão da opinião pública, as Nações Unidas têm tentado lidar com ela.
Foi a opinião pública que levou a que se discutisse internamente a questão do comportamento sexual dos capacetes azuis.
Segundo vários estudos revelam, em redor de cada acampamento militar há sempre prostituição, é um fenómeno inaceitável mas recorrente.
E a ONU ficou particularmente malvista quando se provou o recurso à prostituição infantil de capacetes azuis italianos em Moçambique.

Outro fenómeno muito grave foi o envolvimento de capacetes azuis no tráfico de mulheres no leste. Portanto, vejam como a pressão da opinião pública está a levar a organização a actuar.

Em relação a Israel, é-me difícil falar desta questão assim tão rapidamente, sendo uma história tão longa, a relação ONU/Israel. E o problema talvez se deve ao facto das Nações Unidas terem começado muito mal o processo.
Os projectos iniciais de partilha do território começaram muito mal.

Aliás, tudo começou mal. O território estava sob administração do Reino Unido e o RU recusou-se a colocá-lo sob a alçada das Nações Unidas.
Os britânicos não deixaram, especula-se que tenha sido por pressões do lobby judaico junto dos ingleses, assim como se diz que o apoio americano a Israel se deve ao poder do lobby financeiro dos judeus em Wall Street, mas depois há umas incongruências estranhas, porque o maior poder em Wall Street é o do petróleo árabe… enfim!

Há um quarteto que está a traçar aquilo a que se chama o “roteiro para a paz”: ONU, EUA, Rússia e UE. Estão a tentar construir dois Estados.

E temos o problema da Faixa de Gaza, que não é nada comparado com a Cijordânia, que tem as maiores reservas de água potável da região.
E estamos a falar duma coisa simples chamada “terra”, é muito pouco, mas as pessoas não cedem quando se fala de terra.

PALMAS

 
Dep. Carlos Coelho
Agradeço em nome de todos à Dra. Mónica Ferro a excelente comunicação e as respostas que nos deu.
Eu e o Daniel vamos, como de costume, acompanhar a nossa convidada até lá fora, e deixo-vos com a equipa de avaliadores.
Até já.

(PAUSA DE AVALIAÇÃO)

Bom, como sabem hoje temos a tarde livre, sendo dedicada ao peddy-paper, que é uma actividade facultativa.
Por força disto, os trabalhos de grupo estão circunscritos a este tema. Os grupos reunirão já, sendo o almoço de seguida.
Só têm duas questões a responder, por isso não me parece que levem muito tempo.

Bom trabalho, bom peddy-paper a todos e até já.