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Revista de Imprensa
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Os novos desafios da Europa comunitária
 
Dep. Carlos Coelho
Vamos começar os nossos trabalhos com o tema “Novos desafios da Europa comunitária”. Connosco temos o Dr. Mário David, que é actualmente Deputado à Assembleia da República, mas que foi Secretário de Estado dos Assuntos Europeus do último Governo do PSD.

O hobbie é viajar, (eu sou testemunha disso), a comida favorita é a da mulher, o livro que sugere é “Carta aberta às crianças da Europa”, o filme é “The killing fields”, o horror da guerra e o valor da amizade, a principal qualidade que valoriza nos outros é a honestidade e a coragem moral e física.

Dr. Mário David muito obrigado por ter aceite o nosso convite, a palavra é sua.

 
Dep.Mário David
Muito obrigado Carlos Coelho, amigo de longa data, e um abraço a todos os companheiros da JSD que partilham esta Universidade de Verão. Esta é uma experiência que eu não conhecia até 1989, quando fui pela primeira vez a Bruxelas e verificar que muitos dos nossos parceiros e partidos irmãos faziam um evento deste género. Felicito o Carlos Coelho pela transposição para Portugal de uma experiência tão enriquecedora.

Espero que a tarde de hoje seja tão enriquecedora para vós, que aprendam coisas novas, mas também para mim, que eu consiga sentir o pulsar da juventude portuguesa face às expectativas que todos nós temos relativamente ao futuro da nossa União.

Eu tinha pensado abordar três temas e fazer uma referência breve a um quarto. Os três temas são o Tratado Constitucional (o grande assunto do momento), a questão das perspectivas financeiras e os limites da Europa (os futuros alargamentos). Uma matéria para abordar en passant seria a Estratégia de Lisboa.

Em primeiro lugar, o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Estamos hoje a atravessar uma das maiores crises da União Europeia. Já passámos por outras e soubemos sempre ultrapassá-las.
Mas aquilo que é preocupante é que o Conselho Europeu não tenha sido capaz de transmitir uma imagem de liderança, clarividência, criatividade e esperança.

A proposta de fazermos uma reflexão de cerca de um ano e que foi decidida no último Conselho Europeu apenas revela, para mim, a incapacidade dos Chefes de Governo de compreenderem o verdadeiro Estado de espírito dos cidadãos europeus. Durante 5 décadas, desde a sua fundação, a União representou para todos os seus cidadãos uma garantia de paz e estabilidade no nosso continente ao mesmo tempo que era acompanhada por um surto evidente de prosperidade, bem-estar, progresso, patente no quotidiano de todos os cidadãos.

Hoje as nossas preocupações são outras: Emprego (em primeiro lugar), Imigração, Modelo Social, Concorrência, Deslocalização, Dumping Social e Ambiental.
E sobre isto, no último Conselho Europeu, se estão recordados, não houve nada! O Tratado foi apenas um pretexto e não foi a causa do voto negativo!

Eu gostaria de aqui discutir convosco quais são, em minha opinião, as virtualidades do Tratado e depois, talvez já na fase do diálogo, falarmos dos motivos do voto negativo em França e dos Países Baixos.

Comecemos por nos perguntar o que querem os Chefes de Estado e de Governo fazer daqui a 12 meses! O que é que eles vão decidir que não pudessem ter decidido já agora?
Julgo que teria sido mais útil assumir desde já o fracasso da apresentação desde Tratado e iniciar já os mecanismos que levassem à aprovação dum novo Tratado assente nos princípios que permanecem válidos (que vos vou tentar explicar) mas bem mais sucinto e compreensível que o actual texto.
Com esta medida que tomaram, de estagnar durante 12 meses, o que fizeram foi perder 12 meses na vida da UE.

Porque é que há gente que está contra este Tratado? Recordemos o que é que ele enuncia e o que deve ser preservado.
Em primeiro os valores da UE. Quais são? O respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de Direito, o pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade, a igualdade entre homem e mulher.

Depois somos uma União com símbolos. Quais são? Estão definidos no Tratado: a bandeira, um hino (uma parte do 9º andamento da última sinfonia de Beethoven, temos uma divisa (“A unidade na diversidade”), temos uma moeda e um dia, que é o 9 de Maio.

Também, o Tratado, nos seus princípios, consagra as liberdades de todos os seus cidadãos: a livre circulação de pessoas, bens, serviços, capitais, conhecimento; a proibição de discriminação em razão da nacionalidade.
Define os nossos objectivos: em primeiro lugar promover a paz e os seus valores, o bem-estar, o espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, o Mercado Único (livre, com uma concorrência não falseada), com desenvolvimento sustentado, uma economia social de mercado, a melhoria da qualidade do ambiente e uma protecção social.
Finalmente os nossos direitos: o direito de cidadania europeia, de livre circulação, de residência, de elegibilidade para o Parlamento Europeu e órgãos autárquicos em todo o espaço europeu, o direito de petição (não só ao PE mas também ao Provedor de Justiça), a utilização da língua materna, acesso aos documentos e protecção consular e diplomática.

Do ponto de vista político, o Tratado fala da igualdade entre todos os Estados-Membros, bem como o reconhecimento explícito da dupla natureza da União (uma união de Estados e de cidadãos em plano total de igualdade).

Esta foi a forma de se conseguir conjugar o alargamento e o aprofundamento duma forma justa e equilibrada. A cidadania da União Europeia é complementar da identidade nacional, não a substitui.
Outro postulado é o reforço do princípio da coesão económica, social e territorial, na medida em que sem solidariedade não faz sentido a existência da própria UE.

Uma outra coisa que nos preocupa sempre muito é o reforço do estatuto das regiões ultraperiféricas, transformando-a num instrumento mais eficaz face às especificidades (para nós) dos Açores e Madeira.

O reforço da união e método comunitário: neste Tratado não houve nenhuma re-nacionalização de competências, foi confirmado o direito de iniciativa da Comissão e alargado o âmbito da co-decisão entre Conselho e Parlamento Europeu.

Um dos vectores mais importantes é a simplificação do processo decisório, com a tipificação e redução dos actos jurídicos e a fusão dos pilares. (mais tarde voltarei a isto).

Finalmente um funcionamento mais eficaz, transparente e democrático e um aprofundamento gradual do próprio projecto europeu.

Há também um reforço do papel dos parlamentos nacionais, estabilizando as suas competências, a participação no processo decisório, a aplicação dos princípios de proporcionalidade e de subsidiariedade, e aquilo que chamamos o alerta precoce: se 1/3 dos parlamentos nacionais entenderem que uma determinada iniciativa da Comissão Europeia ultrapassa as competências definidas nos Tratados, nessa altura a Comissão tem de retirar a sua proposta e reformulá-la para que se possam cumprir os princípios que acabei de enunciar.

Portanto, foi um Tratado pensado nos benefícios que podia trazer para o cidadão europeu que é o seu primeiro destinatário: essencialmente tentar aproximar a Europa dos cidadãos. Reforma, como disse, a legitimidade, a transparência, a eficácia e a coerência no processo de decisão.

Na sua Parte II, tem a inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais que passa a ter pela primeira vez uma força jurídica vinculativa. O que é que ela traduz? Essencialmente os nossos direitos civis, políticos, tem até um capítulo designado de “a boa administração”, os direitos sociais dos trabalhadores, a protecção de dados pessoais e as questões da bioética. Foi no interesse de todos nós que a Carta foi consagrada.

Tenta-se que a União não seja uma coisa estática, que seja um processo gradual, compreendido e aceite por todos os cidadãos. Nesse sentido é também criado um direito de petição (desde que haja um milhão de assinaturas) que permite solicitar à Comissão Europeia a definição de uma determinada directiva.

Permitam que lhes recorde a posição da Confederação Europeia dos Sindicatos: a política social, com este novo Tratado, passa a ser uma competência partilhada e o papel dos parceiros sociais passa a ser reconhecido, razão que levou a referida Confederação a apoiar e a apelar ao apoio popular a este Tratado.

Finalmente, é atribuída uma personalidade jurídica, tornando a UE num sujeito de direito internacional, com capacidade diferente da que tinha até hoje.

Gostaria que atentassem nestas prerrogativas do Tratado e depois no debate que teremos digam-me se vêm aqui nisto algo que violente algum de nós… no meu caso não consigo deslindar nada!

Aproveitou-se também esta iniciativa constitucional para fazer uma reforma das instituições. É que face ao último alargamento, em que passámos de 15 para 25, continuávamos a viver com as mesmas regras institucionais que tínhamos desde o início da UE.

Assim, foi definido o PE para um máximo de 750 deputados (que variam entre os 6 e os 96 consoante a população dos Estados), o Conselho Europeu passa a ser, pela primeira vez, uma instituição da União Europeia, até aqui era o órgão que dava o impulso político à UE mas não tinha de prestar contas a ninguém: com este Tratado, o Conselho passaria também a estar sujeito ao controle do Tribunal de Justiça das Comunidades. É criado um lugar de Presidente do Conselho Europeu, por dois anos e meio, que é suposto ser o novo dinamizador, terá representação externa da União, as presidências do Conselho passam a ser agrupadas de três países por dezoito meses.
Isto é mais uma maquilhagem que uma alteração substancial, na medida em que é sempre dada oportunidade a esses três países para estabelecerem a presidência como quiserem e na prática aquilo que continuará a acontecer é que cada um terá o seu semestre de presidência…

Mas, é possível que os três países em causa decidam que o Conselho da Competitividade seja presidido a todo o tempo pelo país x, o Conselho Justiça e Assuntos Internos pelo país y, etc. Tudo é possível.

Note-se que já foram dados passos antes da entrada em vigor deste Tratado. Nomeadamente as presidências colectivas entram já em vigor a 1 de Janeiro de 2007 e o primeiro grupo terá à cabeça Alemanha, Portugal e Eslovénia. Assim, a manter-se tudo como está, a próxima presidência portuguesa será no segundo semestre de 2007.

A Comissão, que neste momento tem um comissário por Estado-Membro, passará, a partir de 2014, a ter somente 2/3 dos Estados representados na Comissão, numa rotação estritamente igualitária, ou seja, o Comissário de Malta estará tantas vezes na Comissão como o da Alemanha.

É criado o lugar de Ministro dos Negócios Estrangeiros, com um duplo papel, ou seja, ele vai continuar a ser o Alto Representante para a Política Externa ao nível do Conselho e vai ser em simultâneo vice-presidente da Comissão, tendo o pelouro das relações externas. Tal como o Presidente do Conselho Europeu, será designado por uma votação de maioria qualificada.
Essa maioria qualificada é redefinida no Tratado e é-o com uma dupla maioria: para se conseguir maioria qualificada é necessário os votos de 55% os Estados (ou seja, um mínimo de 15) e que representem ao mesmo tempo 65% da população.

Para que haja uma minoria (que não seja apenas a dos quatro grandes Estados), é necessário mais do que quatro grandes Estados.

E depois recorreu-se a um jargão comunitário que já devem ter ouvido falar, que é o Compromisso de Ioanina. O que é isso?
Bem, na UE, quando se vota, ganha-se ou perde-se, mas não há interesse nenhum em violentar ninguém ou prejudicar os Estados. Assim, quando não há força suficiente para bloquear uma decisão mas já ¾ dessa força estão conseguidos, em vez de se passar logo à votação, tenta-se buscar um compromisso de modo a que não haja ninguém ou nenhum Estado violentado. Embora nem sempre seja depois possível o consenso.

Referi há pouco que com este Tratado há uma simplificação de procedimentos. Neste momento há 36 instrumentos comunitários, com o Tratado reduzimos para 6.
Passa a haver os actos legislativos (as leis e as leis-quadros), os actos não-legislativos (os regulamentos e as decisões) e os “pontos de vista” (é a linguagem utilizada) que são recomendações e pareceres.

É generalizada a co-decisão, para melhorar a dupla legitimidade da União Europeia (quer através dos Estados representados no Conselho quer nos Povos representados no PE). No entanto, em determinadas áreas é mantida a unanimidade. Justamente para garantir a defesa de todos os Estados, particularmente dos mais pequenos.

Essa unanimidade é garantida na fiscalidade, recursos próprios, o quadro financeiro plurianual, (por isso o Direito de Veto que todos têm nas Perspectivas Financeiras), nas áreas de política europeia de segurança comum, na política externa e nas prescrições mínimas a Segurança e Social.

Há também a clausula de “Passarelle” que é a possibilidade duma certa legislação que nos termos da Constituição ou do Tratado exigem unanimidade poder passar com maioria apenas qualificada se os Estados decidirem (por unanimidade) essa passagem, isto no sentido de aligeirar (e não ter de haver outra Cimeira Inter-Governamental).

Se mais de 1/3 dos Estados quiserem avançar num determinado domínio, podem fazer uma cooperação reforçada de modo a poderem aprofundar a actuação comunitária fora das suas áreas de competência exclusiva.

Outros dos aspectos do Tratado é a impossibilidade de haver défice no Orçamento. As despesas não podem ser superiores às receitas, bom como a unidade de documento (no mesmo documento devem estar consignadas as despesas e as receitas).

Muito discutido (particularmente em Portugal, realço isto, para não dizer que foi o único Estado em que eminentes cidadãos levantaram a questão) é o Princípio do Primado da Legislação Comunitária.
Obviamente que há uma explicação para tudo isto. Em Julho de 1960, pela primeira vez o Tribunal de Justiça das Comunidades através de jurisprudência (paulatinamente consolidada) proclamou o Principio do Primado Incondicional de todo o direito comunitário sobe todo o direito nacional, seja ele ordinário ou constitucional. E isto pode parecer de facto uma violentação! Como é que a UE se permite estabelecer uma determinada legislação que sobrevalece sobe toda a legislação nacional: a razão é simples!

Há necessidade de haver uma uniformidade e uma eficácia na aplicação do direito comunitário. Ou seja, as normas da UE têm de ter, em todos os Estados, o mesmo significado para que não haja distorção (até de concorrência), têm de ter a mesma força obrigatória e o mesmo conteúdo invariável. Se tal não fosse, cada País podia adaptar as suas legislações de forma a poderem contornar determinadas directas da UE.
Era muito fácil: votava-se lá por unanimidade e chegávamos cá e subvertíamos o que lá se votou.
É esta a razão do célebre artigo 5º.

Outra das questões que têm sido colocadas prende-se com o facto de não ter havido uma suficiente democratização no processo de elaboração dum Tratado constitucional. Não foi bem assim.
Deixem-me contar-vos. Em todos os outros Tratados que foram feitos, desde o início, existiu sempre uma CIG (Conferência Inter-Governamental), ou seja, foi cometido aos Primeiros-Ministros a responsabilidade de os redigirem, e muitos delegaram em Ministros dos Negócios Estrangeiros, que por sua vez delegaram nas suas equipas.

Desta vez foi-se por outro caminho. Fez-se uma Convenção, lembram-se do termo?, que foi um organismo muito mais transparente e com ampla participação, em que estavam efectivamente os 15 Estados-Membros, mais os 13 que estavam a terminar a adesão à UE, esteve uma representação importante do PE, estiveram delegações dos parlamentos nacionais, do Comité das Regiões, do Conselho Económico e Social, dos Parceiros Sociais, houve até um fórum da sociedade civil, o que fez com que dos 105 membros da Convenção, 72 eram membros directamente eleitos pelas várias instâncias, nomeadamente parlamentos nacionais.
Portanto, pela primeira vez se alargou o leque de participação na redacção do projecto, projecto esse que foi aprovado pela Convenção após um trabalho de 15 meses.

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)
Para terminar este tema, o Tratado consegue fazer um texto consolidado e de forma sistemática todos os outros Tratados que existiam até então, (se virem o Tratado de Nice é algo de muito complexo pois está sempre a remeter para a legislação anterior).

Já agora a questão do nome. Costuma chamar-se Constituição, que é um nome que violenta algumas pessoas. O termo escolhido, como sabem, foi Tratado Constitucional, porquê? Tratado porque está sujeito às regras do Direito Internacional e Constitucional porque tem elementos de natureza constitucional.
É um texto dividido em quarto partes. A primeira tem os objectivos, as competências, os processos de decisão e as instituições da UE. A segunda insere a Carta dos Direitos Fundamentais. A terceira fala das acções da UE e o seu método de funcionamento e o quarto fala das cláusulas finais e do processo de adopção do próprio Tratado.

Sobre as minhas críticas iniciais à forma como o processo final foi abordado pelo Conselho, acho que teria sido mais proveitoso (a grande saída) manter a parte 1 e 2, que têm dignidade constitucional e expurgava-se todo o capítulo terceiro, das políticas internas (essas sim podem variar, podem mudar, consoante a evolução sócio-política dentro da UE e dos Estados).

Para resolver o problema causado pelos dois nãos referendários, salvávamos as duas primeiras partes e retirava-se a terceira, pois é aquela que é mutável. Conseguia-se assim um texto mais constitucional, mais perdurável no tempo.

Sobre as competências que o Tratado prevê são primeiro competências exclusivas, (matérias que a UE considera que a acção é mais eficaz se for transferida dos Estados para as instituições). Exemplos disso são a União Aduaneira, o Mercado Interno, a Política Monetária, os recursos biológicos marítimos e a Política Comercial.

Depois temos as competências partilhadas: a Política Social, Coesão Económica, Social e Territorial, a Agricultura e Pescas, a Defesa do Consumidor, Transportes, Redes Transeuropeias, Energia, o Espaço Liberdade, Segurança e Justiça, a Segurança da Saúde Pública, a Investigação e a Ajuda Humanitária.

Finalmente as áreas de apoio (onde a UE tem apenas um papel coordenador): a Saúde, a Indústria, a Cultura, o Turismo, Educação, Juventude e Desporto, Formação Profissional, Protecção Civil e Cooperação Administrativa.

O que é que se passou até agora? Era suposto que o Tratado entrasse em vigor a 1 de Novembro de 2006, ou seja, dois anos depois da assinatura, em Roma, e os Estados dispunham de dois anos para fazer a adaptação do Tratado. Mas pela primeira vez este Tratado, prevendo dificuldades de aplicação, criou um artigo em que se diz que se ao fim de dois anos, 20 Estados Membros tivessem ratificado a Constituição e se até 5 Estados não o tivessem feito, o Conselho deveria analisar as dificuldades que estava a ter lugar. E foi baseado neste artigo que o Conselho, em Junho, decidiu suspender a ratificação do Tratado, antecipando já esta análise de dificuldades.

A resposta jurídica é muito simples: se não houver Tratado, a União não fecha, mantém-se Nice (com as mesmas dificuldades que levaram a querer fazer-se outro Tratado). Mas há neste momento uma questão política que temos de resolver: é que há 13 Estados que já ratificaram (Áustria, Chipre, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Eslováquia, Eslovénia, Luxemburgo e Espanha, estes dois por referendo).
Na Bélgica existe um sistema esquisito e é preciso a ratificação de diversas estruturas políticas, sendo que algumas já ratificaram.

O actual Primeiro-Ministro português fez a proposta de um referendo à escala europeia. Eu nisto estou à vontade. Tanto quando eu saiba, perdoem-me a imodéstia mas fui a primeira pessoa (a 19 de Abril de 2002) a escrever um artigo sobre o tema. Propunha que, por se tratar de uma matéria com dignidade constitucional, dever-se-ia fazer um referendo a nível europeu. Não num único dia pois há países com tradição de se fazer à quinta-feira, por exemplo, mas cujos resultados fossem todos conhecidos no mesmo dia para não haver influências.

Durante o período eleitoral, estariam todos os países a debater o tema em simultâneo, os argumentos seriam todos sustentados ou rebatidos em simultâneo, e teria havido vantagem nisso.

Abro aqui um parêntesis para referir ao Sr. Director da UV que esgotei a minha meia hora e receio que me tenha entusiasmado com o Tratado Constitucional não havendo tempo para os outros diversos temas.

 
Dep. Carlos Coelho
Ainda tem alguns minutos que pode usar, Dr. Mário David.
 
Dep.Mário David
Muito bem, então aproveito para falar um pouco sobre o Alargamento.
A UE ainda está, neste momento, numa fase de absorção de 10 novos Estados. Nunca tinha havido um alargamento tão grande: o maior foi o último, com a Suécia, a Finlândia e a Áustria, Estados altamente desenvolvidos, com um PIB per capita muito superior ao da média comunitária de então. Democracias muito consolidadas, etc., portanto, um alargamento fácil de fazer. Como foram todos os anteriores, com excepção do da Grécia, diga-se!

Porquê? Porque a Grécia tinha saído da ditadura dos coronéis, e a França (para garantir a evolução democrática na Grécia) teve a ideia de fazer os gregos entrar na União sem qualquer discussão ou negociação. Assim eles entraram primeiro e negociaram depois. Portugal e a Espanha pagaram logo a seguir este erro que a União fez, pois a União fez-se passar por 8 anos de negociações e adaptações para que, quando entrássemos, não houvesse problemas.

Neste momento temos um ano e quatro meses desde a entrada dos 10 novos. Chipre e Malta têm dimensões pequenas, tradições democráticas e não oferecem grandes problemas (à excepção da questão da divisão de Chipre).
Os outros têm um PIB per capita muito inferior ao da média comunitária, têm ainda instituições que estão também a fazer as primeiras experiências democráticas, (a queda do Muro foi em 89), e isso levanta sempre alguns problemas.

Os Tratados de adesão da Roménia e da Bulgária estão já assinados, pressupondo-se que a entrada destes dois países se faça a 1 de Janeiro de 2007 mas, não estando imprensa aqui presente, eu quase que apostava que a 1 de Abril de 2007 não entra ninguém da UE. Tenho fundados receios que a UE venha dizer que estes dois países precisam de mais um ano para fazerem a real transposição de todas as directivas que a adesão implica.

Se isto já parecia que ia acontecer com a Roménia, ainda ontem recebi um telefonema de uma amiga membro do Governo búlgaro, que me traduzia a grande preocupação que tinham tido depois de uma reunião do seu Primeiro-Ministro em Bruxelas em que lhe referiram as reservas face ao Estado de consonância do País com o acervo comunitário.

No dia 17 de Março passado, deveriam ter sido abertas as negociações de adesão da Croácia. Eles têm um governo da nossa família política, o Primeiro-Ministro é nosso parceiro, pelo que temos acompanhado com bastante cuidado o processo.

Porém, os países nórdicos e o Reino Unido (particularmente o Reino Unido que tem umas contas a ajustar com os serviços secretos croatas) propuseram suspender o processo com a Croácia enquanto o general Ante Gotovina, procurado pelo Tribunal de Haia, não seja entregue pelas autoridades croatas.

Infelizmente isto foi aprovado por maioria, com o voto de Portugal (a votação foi já depois do PSD ter saído do Governo, senão tínhamos votado de maneira diferente). Bloqueou-se assim o processo de adesão da Croácia.
Note-se que o Tribunal de Haia colocou 626 questões ao Estado Croata, 625 foram satisfeitas: falta a entrega de Gotovina. Por causa disso, mensalmente, tem sido adiado o início das negociações.

Vamos ver o que vai acontecer agora a 2 de Outubro, na reunião do Conselho de Assuntos Gerais que é quem pode decidir sobre o tema. Esta é uma matéria que acompanho com alguma paixão, conheço bem a história do General Gotovina, que por acaso também é cidadão francês e não vi qualquer sanção à França pelo facto do Governo francês não ter entregue o General ao Tribunal de Haia. Vingaram-se nos Croatas.

No dia 1 de Abril também é dia das mentiras na Croácia, (RISOS) e lá, abriram um telejornal dizendo: não bastou o nosso processo de adesão à UE ser bloqueado como agora também estamos proibidos de participar com a nossa selecção no Campeonato Mundial de Futebol na Alemanha enquanto não entregamos o General Gotovina! (RISOS)
Bom, às 3 da tarde tiveram de desmentir a notícia porque já estavam 200 mil pessoas (RISOS) no centro da cidade a insultar tudo quanto (RISOS) era UEFA, FIFA, Governo, União Europeia. (RISOS)

Para verem que há uma nação, um Estado de espírito, refém de um cidadão.
E isto é tanto de mais complexo se virem que em breve (a 3 de Outubro) é suposto começarem as negociações com a Turquia. A sensação que eu tenho é que, com excepção do Governo inglês, ( não sei se a pedido norte-americano, os EUA têm feito alguma pressão sobre a UE neste capítulo), os Governos da UE não são favoráveis à entrada da Turquia.

Vejam que em conversas bilaterais foram todos contra, depois no Conselho Europeu de Dezembro votámos todos por unanimidade a adesão da Turquia. Somos europeístas convictos, gostamos do projecto, mas não deixamos de reconhecer as hipocrisias que se desenrolam pelo meio!
Agora a Comissão tem de entregar um relatório sobre a forma como pensa fazer as negociações. O seu primeiro relatório, recomendando a abertura das negociações, não apresentou, por exemplo, um estudo de impacto que o PE lhe solicitou, mas diz que a Turquia já cumpre os critérios de Copenhaga (critérios de democraticidade, respeito pelos direitos do Homem, etc).

Quer-se fazer uma negociação assente em alguns pilares e um deles é reforçar e apoiar o processo de reformas, garantindo não só que elas são feitas, como a sua irreversibilidade.

Um relatório da UE diz que essa adesão só pode ocorrer depois de 2015 e que todas as incidências financeiras da adesão da Turquia, que são imensas, só podem começar a ser negociadas depois de 2014, ou seja, depois das próximas perspectivas financeiras. Anunciam-se longos períodos transitórios, nomeadamente em áreas específicas como nas políticas regionais, política de coesão, e na política agrícola diz que pode haver disposições específicas para a Turquia.
Eu pergunto-me se isto não representa uma outra forma que não a adesão plena, pois fala-se em cláusulas de salvaguarda permanentes bem como a livre circulação de trabalhadores. Ou seja, aquilo que está anunciado para a Turquia é diferente do que tem acontecido com as outras adesões.

Um outro pilar é um diálogo político e cultural reforçado com as outras nações para que haja uma maior aceitação da Turquia.

Junta-se a isso, como sabem, que brevemente teremos eleições na Alemanha, e tudo indica que será a líder da CDU (nossa parceira) a ganhar o embate. Ontem a coligação dela tinha 51% das sondagens contra 29 do Partido Socialista. Tudo indica que ganhe a CDU alemã e a CDU tem-se oposto terminantemente à adesão da Turquia.

Deixem-me dizer-vos que as projecções dizem que em 2025 só para a PAC e para a Coesão para a Turquia seriam entre 22 e 33 mil milhões de euros, o que é vez e meia do que aquilo que Portugal recebeu nos últimos sete anos.
Mas o problema não é financeiro, é antes de mais político, é o da aceitação ou não dos nossos concidadãos, duma forma tranquila, dum Estado muçulmano, com uma cultura muito diferente.

Para terminar, Carlos, eu costumo dar esta imagem. Nós, daqui a 15 anos, (quanto tiver terminado o processo de negociação com a Turquia), teremos um referendo de 15 em 15 dias e é por sms, nem sequer é preciso ir lá votar, estaremos permanentemente a ser solicitados a nos pronunciarmos.

Há pelo menos 4 Estados Dinamarca, França, Áustria e Holanda (para não falar na Alemanha) que estão preparados para votar contra a adesão da Turquia em referendo. Como sabem, qualquer entrada de um novo Estado implica a ratificação por todos os restantes.
E pergunto-me senão seria mais prudente inventar uma nova forma de “partenariado” para a Turquia que não implique ser Estado-Membro do que, daqui a 15, anos não ser nem uma coisa nem outra. Prefiro ter hoje uma manifestação de 2 milhões em Ankara contra Chirac do que daqui a 15 anos ter o povo turco contra o povo francês porque foi o povo francês que votou contra. Nessa altura o impacto é mais grave e as tensões muito maiores.

Peço desculpa de me ter alongado tanto. Muito ficou por dizer mas espero que com as vossas perguntas mais coisas sejam ditas.

PALMAS

 
Dep. Carlos Coelho
Antes de passar a palavra ao Daniel para a moderação, recomendo aos participantes e ao nosso convidado que tenham algum ritmo de forma a que ainda reste tempo para as perguntas livres.
 
Daniel Fangueiro
Ana Filipa Janine pelo Grupo Amarelo
 
Ana Filipa Janine
Antes de mais gostava de agradecer ao Deputado Mário David pela sua intervenção. A nossa questão é sobre o alargamento.
O Reino Unido já declarou que a sua principal preocupação durante a presidência será o alargamento, quer pela questão da Roménia e Bulgária quer pela Turquia e as negociações com a Croácia.
No entanto, por mais países que a União englobe não há uma correspondente união de cidadãos.

Isso é visível em varias situações. Quer na abstenção nas eleições do PE, quer no grande distanciamento face às instituições, quer ainda na ignorância da maioria dos cidadãos sobre temas como a Constituição Europeia. Até pela forma como os referendos foram usados para penalizar Governos.

Não será mais urgente sensibilizar os povos da União para aquilo que comummente se chama a cidadania europeia? Como deve ser feita esta chamada de atenção? Deve-se partir para o alargamento sem que haja esta união de povos? Será que a constituição europeia será uma força aglutinadora ou uma fonte de discórdia?

Muito obrigado!

 
Dep.Mário David
Começo por dizer que concordo com muitos pressupostos da sua pergunta, mas temos de conseguir também um equilíbrio. Tal como foi conseguido no Tratado Constitucional.
Além de um equilíbrio entre aqueles que são inter-governamentalistas e os que são federalistas, temos também de ter um equilíbrio entre os que têm aspirações de pertencer à UE e os que já pertencem. Muitos querem entrar porque vêm na UE uma forma de entrarem na via irreversível da democracia.
Não falámos aqui, por exemplo, da Ucrânia que está a sair da esfera do bloco soviético e a única coisa que lhes interessa é entrar na UE. Que perspectivas lhes podemos dar? Eles não têm situação que lhes permita aderir nos próximos 15 anos. Está fora de questão.

Mas é um país que tem uma cultura muito mais próxima da nossa.

É importante promover um debate sério a que se responde a esta pergunta: para onde queremos nós ir enquanto União? Mas tem de ser um debate sério.
Quando foi o debate agora em França houve argumentos com este impacto: era afirmado pelo NÃO que o novo Tratado proibia o aborto, coisa que nem é falada no texto; dizia-se também que permitiria os trabalhos forçados e coisas desta gravidade!

Por isso deve haver um debate sobre onde queremos ir, com quem queremos ir, até onde devem ir as nossas fronteiras e haver um maior conhecimento das realidades europeias - ao nível da juventude, o programa Erasmus é óptimo para isso: neste momento, na República Checa estão dezenas de estudantes portugueses em Erasmus.

Eu sou europeísta convicto, mas julgo que o problema actual da UE é que fomos depressa demais nos últimos tempos e que assustámos grande parte dos cidadãos europeus. Agora é preciso dizer-lhes “não tenham medo” e qual é que é o projecto.

 
Ruben Badaró
Boa tarde. Estivemos essencialmente a falar de desafios internos da UE e não falámos de desafios externos, como por exemplo a concorrência do mercado asiático.

A nossa pergunta é esta: como vê essa concorrência dos produtos asiáticos no nosso mercado, a possível deslocalização de empresas nossas para o mercado asiático e toda a influência asiática na economia europeia.

Obrigado

 
Dep.Mário David
Obrigado pela pergunta, pois este era um dos temas que eu queria ter focado inicialmente.

Esta é uma das pedras de toque sobre o que nós queremos para a UE do futuro. À sua questão eu acrescentaria o modelo social.

Nós temos um modelo social europeu que queremos manter e melhorar. E sabemos que as outras forças de mercado com as quais estamos em competição nomeadamente no extremo asiático, não têm as mesmas preocupações que nós nem de perto nem de longe. Daí a deslocalização como fruto, também, da globalização.

Isto fere alguma esquerda bem pensante, mas eu não percebo como é que alguns defendem o status quo do nosso mercado laboral, (quando os nossos competidores não têm nenhuma das nossas preocupações) e depois defendem um clima de portas abertas. Tem de haver um equilíbrio entre o direito dos competidores de desenvolverem os seus mercados e compaginar isso com a expectativa dos nossos concidadãos em adquirir produtos de qualidade a melhores preços.
Estou a falar de pautas aduaneiras que, ao mesmo tempo que protegem a indústria europeia não violentem o consumidor final.

Em França, durante o referendo falou-se muito das deslocalizações com a entrada da Turquia. Falou-se também muito do “electricista polaco”, aquele homem bem preparado e que leva mais barato, que faria descer os salários em França: isto não deixa de nos fazer repensar o tal sistema social europeu.

 
Adelina Cabral
Antes de mais uma boa tarde. Penso que falo em nome de todos nós ao agradecer a intervenção muito elucidativa relativamente a alguns assuntos da UE, sobretudo do Tratado.

Eu pegava em três aspectos de que falou: temos um dia, uma moeda e uma bandeira, falou do conceito de cidadão europeu. Isto parece um Estado. Parece que o caminho que estamos a percorrer será para uma federação ou confederação de Estados.

Por outro lado deu o contraponto: a cidadania europeia é complementar e nunca substitui a cidadania materna. A nossa pergunta é esta: de que forma este aglutinar de nações tão díspares pode vir a acordar os nacionalismos um pouco adormecidos, uma vez que já assistimos a alguns movimentos nesse sentido nos últimos tempos.

Eu tive a oportunidade de ler “O Jardim da Delícias” do João Aguiar que traça o cenário do que pode vir a ser a “federação europeia” daqui a uns anos.

Teme que venham a ressurgir movimentos nacionalistas?
Obrigado.

 
Dep.Mário David
Infelizmente alguns movimentos nacionalistas já estão a ressurgir. E alguns até com grande intensidade.

Eu julgo que, ao contrário do que poderia parecer, o facto de a União estar a agregar mais países (e eu antevejo mais 4 ou 5 no médio prazo), dificulta o caminhar para o modelo federal. Isto porque cada vez há uma maior diluição. Por força do alargamento, a potência do eixo Berlim-Paris foi-se diluindo porque o bolo é o mesmo e a fatia tem de ser cada vez mais pequena na medida em que há mais gente à volta da mesa e que é co-responsável pelas decisões.

Tenho pena que o caminho para o federalismo esteja diluído porque sou também um federalista convicto.

Como fez o favor de relembrar, a cidadania europeia deve ser complementar à cidadania nacional: não a substitui. E nós o melhor exemplo daquilo que é uma soberania partilhada por “n” Estados.
Ninguém entrou para a UE por anexação: isto não foi um império que subjugou.
Mais, pela primeira vez, com o Tratado Constitucional, há o direito de cesseção, o direito de sair (foi uma coisa que eu há pouco não referi). Claro que antes de estar consagrada esta norma, haveria sempre uma forma dos outros Estados permitirem o abandono de um Estado que quisesse sair da União, estou seguro disso.

 
Cristóvão Norte
Eu gostava de focar a questão da globalização. O mundo está cada vez mais globalizado, as exigências são cada vez maiores, fala-se muito no dumping social e ambiental e da negação dos EUA em cumprir Quioto e outros acordos fundamentais para a sustentabilidade do planeta.

A questão que eu queria colocar, à semelhança daquilo que o prof. Medina Carreira transmitiu numa intervenção há dias, é a seguinte: nós consideramos o modelo social europeu como um dos vértices da construção europeia, algo imprescindível e aglutinador. Assim, devemos revisitar alguns conceitos que têm a ver com o proteccionismo, (como propugna o Prof. Medina Carreira) ou devemos optar por sermos menos competitivos e garantir que o modelo social europeu continua a vigorar?

 
Dep.Mário David
Obrigado pela sua pergunta. Eu julgo, pela sua formulação, qual é a opinião que defende.
Para mim, é muito importante a manutenção do modelo social europeu e até o seu desenvolvimento.

Isto implica questões importantes tais como o combate ao dumping social e até fiscal. Veja-se que o Estado chinês financia todas as exportações chinesas. Resta saber até quando é que aquele regime ultra-capitalista de etiqueta comunista vai poder fazer isto!

Eu julgo que nem sequer podemos ponderar a hipótese de sermos menos competitivos para defender o modelo social europeu, antes pelo contrário: aquilo que quisemos com a Estratégia de Lisboa (com as preocupações económicas, sociais e ambientais, os três vectores da EL) foi tornar a Europa no continente mais competitivo.

Eu há pouco contava ao Deputado Carlos Coelho que o Comissário António Vitorino visitou a China a convite a presidência britânica. Ele contou-me que a dada altura colocou, meio a medo, a questão dos têxteis chineses no mercado europeu. A resposta, que é obviamente estudada, “querem impor-nos quotas para os têxteis? Sem problema nenhum, até porque nós já queremos transferir a sua produção para África. Expliquem-nos é como é que nós podemos construir airbus aqui em vez de os irmos comprar a Toulouse”. Ou seja, eles já estão noutra onda!

Para nós, enquanto modelo de desenvolvimento, enquanto bem-estar, enquanto força de paz (não se esqueçam de duas coisas: durante 5 décadas a UE foi um garante de paz no mundo e a UE e os seus Estados representam mais de 50% de toda a ajuda humanitária dada no mundo)
(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

 
Bruno Ventura
Boa tarde a todos.
A questão que queremos colocar tem a ver com o alargamento.
Fazendo uma breve introdução, nós sabemos que a história dos alargamentos europeus aconteceram sempre numa fase anterior à ratificação dos Tratados. Ou seja, primeiro entram os povos e depois é que se tenta mudar as regras.

Pelo que eu percebi da sua intervenção, das reuniões bilaterais que teve, nenhum Estado (à excepção do inglês) era a favor da integração da Turquia. Ou seja, a Turquia é como o Prof. Freitas do Amaral no governo socialista: ninguém o quis lá, ninguém sabe como ele foi lá parar, mas ele acabou por lá estar. RISOS

A questão que eu lhe coloco, para não haver mais casos destes, é a seguinte: o que é importante os cidadãos perceberem tem a ver com “qual é a nossa definição de Europa”. É aquela definição clássica que vai dos Urais até ao Atlântico, ou é baseada num critério de cultura política, afirmado num modelo da democracia representativa, num modelo económico assente na iniciativa privada e no modelo social europeu? É um critério geográfico ou de cultura social, política e económica?

 
Dep.Mário David
Se descobrir algum Chefe de Estado ou de Governo da Europa que lhe dê resposta a isso eu felicito-o (RISOS) ou também me sinto liberto para não a dar eu próprio (RISOS).

Mas vamos tentar aprofundar isso porque a questão dos limites da Europa é muito importante. Quando eu cheguei a Bruxelas, em 89, já nessa altura se discutia isso: onde acaba a Europa? E onde acaba a Europa politicamente? Eu cheguei 10 dias antes da queda do Muro, tive oportunidade de apanhar essa discussão toda.

O critério geográfico foi usado, por exemplo, no pedido de adesão de Marrocos! Foi o primeiro pedido que nos apareceu fora de área, e foi chumbado só com esse argumento. O critério geográfico já não se aplica em alguns casos. Veja que a Turquia e Israel são consideradas Europa para fins futebolísticos.

O que é que se passou com a Turquia? Todo o processo é bem aproveitado pelos turcos no início da questão iraquiana. E os EUA têm necessidade do apoio turco que nunca lhes foi dado nos termos que eles pretendiam. Portanto, aqueles Estados que estiveram mais próximos da coligação americana desde o início foram os que mais apoiaram a estrada da Turquia na UE. Daí o grande entusiasmo do Reino Unido, o grande entusiasmo da Itália de Berlusconi, Espanha e Portugal com Aznar e Barroso, e dos novos Estados-Membros todos.

Logo, houve uma grande vontade política de ajudar esses Estados todos. E também é verdade que a Turquia tem já um modelo de sociedade que é o modelo que mais se aproxima do nosso. Existe economia de mercado na Turquia como não existe em mais nenhum país muçulmano. A abertura que tem sido progressivamente verificada em termos culturais faz-me pensar. Não chega só o modelo político, que já é bastante próximo do nosso (embora muito há ainda a fazer nos direitos humanos mas muitos sustentam, por exemplo, que neste aspecto a situação na Roménia não é muito diferente.

O modelo social deles ainda tem de andar muito, vejam que os trabalhadores ainda não têm garantias nenhumas. Mas aquilo que mais confusão me faz é a questão cultural, é o facto de irmos violentar a Turquia para que ela se aproxime dos nossos parâmetros.

Mas isto tem de ser assim, coisa que já foi amplamente explicada. Existe um clube com determinadas regras: quem quer aderir tem de se adaptar a essas regras, não as pode alterar. E as elites políticas turcas consideram que as vantagens de adesão justificam essa violentação do modelo turco de sociedade. Eu até receio que, internamente, isso possa ter um preço. Estou plenamente convencido que mesmo que haja aceitabilidade total do lado turco de todas as regras, haverá um não cego político dos cidadãos europeus (não das instituições mas sim dos cidadãos)!

Vejam só que o Presidente Chirac, quando tentou fazer passar a Constituição Europeia, fez aprovar uma emenda na constituição francesa (que já está em vigor) que diz que qualquer entrada de um novo Estado na União depois da Croácia teria de ser aprovado por referendo em França. Ele diz “depois da Croácia”, não mencionou a Turquia!

Daí que o meu receio seja que isto se trate apenas de um choque entre povos e não entre políticos.

 
Guida Sousa
Muito boa tarde.

Apesar de recentemente o Tratado Constitucional ter sido amplamente abordado pela Comunicação Social, este debate tem-se centrado em questões políticas que pouco dizem à maioria da população, fazendo com que esta se sinta bastante desconhecedora do Tratado.

A nossa questão é: o que é que devemos dizer ao cidadão comum quando ele nos pergunta “o que é que temos a ganhar com o Tratado”, três ou quatro pontos essenciais que interfiram no quotidiano de cada português!
Porque é isso que eles querem saber e se calhar é por isso que há tanto desinteresse e falta de informação, seja porque não a procuram seja porque o debate se centra em questões menos relevantes para a população.

Obrigado.

 
Dep.Mário David
Bom, vamos lá ver, uma Constituição é um documento jurídico-político não é um romance que se leia com agrado, muito menos quando têm a complexidade e a extensão desta Constituição Europeia.

Eu penso que aquilo que se deve fazer aos cidadãos é vender o modelo de sociedade que queremos e estamos a tentar construir com base naqueles fundamentos jurídico-políticos. O facto de nós termos conseguido chegar a um consenso quanto a um Tratado que garante a total igualdade de tratamento entre todos os Estados-Membros independentemente da sua dimensão política, geográfica, demográfica e económica, garante o tratamento igualitário de todos os cidadãos da União Europeia, reforça o princípio da Coesão Económica, Social e Territorial, reforça o estatuto das regiões ultra-periféricas (um problema que diz essencialmente respeito a Portugal, Espanha e França), garante a manutenção do método comunitário (ou seja, existe uma Comissão supranacional que vela pelo interesse geral), reforça o papel dos parlamentos nacionais (havendo uma maior democratização de todo o processo), simplifica o processo decisório, (havendo maior transparência, eficácia e coerência), unifica num único documento diversa legislação dispersa, dá mais proximidade entre cidadãos e instituições, dá maior segurança e representatividade diplomática a todos os cidadãos independentemente de haver ou não embaixada do seu país estejam onde estiverem.

Quer dizer, todas estas razões levam-nos a querer dizer SIM por convicção e não por interesse ou por imposição ou outra razão qualquer.
Há efectivamente uma consolidação da aproximação dos cidadãos no Tratado que é difícil dizer numa única razão.

Ao mesmo tempo, acho que temos de vencer a apatia e mostrar a evidência das realidades. Vocês são jovens e por isso não devem ter totalmente a noção do que era a realidade sócio-económica de Portugal no pós 25 de Abril. Era muito má! E muito do salto que nós demos e da estabilidade democrática que conseguimos foram obtidas em larga medida com os fundos que a UE colocou à nossa disposição. Sem eles, eu queria ver! Criticou-se muito a política do betão, mas era essa a necessidade primária do País: uma rede ferroviária, viária, cadeias de distribuição, saneamento básico e foi nisso que empenhámos os primeiros fundos de coesão.

Portanto, quando debatermos a fundo o Tratado e a construção europeia, temos de explicar onde estávamos, o que éramos, o que somos agora e quanto é que a UE contribuiu para esse mesmo desenvolvimento.

 
Pedro Santos
Começo por saudar a todos.
Os novos desafios da União põem em causa a soberania. Num projecto de paz e prosperidade, poderá dar-se consistência a uma Europa que se quer unida na sua diversidade sem colidir com a ideia de soberania partilhada?
Obrigado.
 
Dep.Mário David
Eu não sei se percebi bem a sua pergunta, falou em “pôr em causa a soberania”.
Bom, deixe-me dar a metáfora da pizza, que tinha 15 fatias, agora tem 25, daqui a dois anos terá 27… o que interessa é saber a dimensão da pizza, se a quero small, medium ou large, se quero ou não transferir mais competências a serem partilhadas pelos 25, e se tenho ou não interesse em estar sentados à volta da mesa. Porque as decisões serão tomadas mesmo sem estarmo lá. Não temos toda essa dimensão (nem demográfica nem económica – política temos a que sabemos)!

Veja só a dimensão que têm as relações entre nós e a África lusófona e o Brasil e a dimensão que teriam se não fossemos membros da UE? O interesse desses países em Portugal seria o mesmo se não estivéssemos nos 25?

O que teria sido a nossa evolução económica e financeira caso não tivéssemos essa partilha na UE? Se não aderíssemos ao Euro o escudo já estaria de desvalorização em desvalorização e poderia até acontecer, como na Argentina, uma situação de bancarrota!

Julgo assim que a partilha de soberania e o facto de termos a nossa voz é essencial. Durante algum tempo fomos considerados os meninos bem-educados e os bons alunos da Europa, e isso fez-nos granjear algum prestígio. Não é por acaso que o Presidente da Comissão aparece português, não é porque ninguém quisesse. Só no PPE havia mais 4 Primeiros-Ministros que queriam! Para não falar em 2 liberais e 2 socialistas!

É importante lembrar que somos só um em 25, mas se os outros 24 tomarem a decisão e nós ficarmos de fora, não contamos nada!

 
Oriana da Inês
Boa tarde.
Neste debate falámos do Tratado, do alargamento, do modelo social europeu e soberania.

No seguimento dos recentes ataques terroristas a que se tem assistido em Londres e Madrid, pensamos que esta temática é igualmente um desafio para a Europa comunitária.

Assim, gostaríamos de perguntar até que ponto o reforço da investigação de actividades terroristas colide com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos da UE. Obrigado.

 
Dep.Mário David
Essa pergunta era mais bem dirigida ao Carlos Coelho que é um especialista na matéria.

Nós estamos todos a fazer uma reflexão em torno do Tratado Constitucional e de que forma ele pode servir melhor os cidadãos e defender os seus direitos.

Em resposta à sua pergunta, temos de saber dosear entre aquilo que é a privacidade e a vida pessoal de cada um de nós e aquilo que é o interesse colectivo e a segurança individual e conjunta. Haverá sempre alguns preços a pagar quando alguns utilizam alguns direitos que o nosso modelo de sociedade nos confere para atentarem contra esse modelo de sociedade.

Agora, se há área que teve um avanço significativo na União, e agora ainda terá mais com este Tratado, é o Espaço de Liberdade Segurança e Justiça. Temos de ter meios adequados de fazer face ao terrorismo e à criminalidade, temos de ter uma gestão integrada de fronteiras externas, uma política comum de asilo e imigração, ter um estatuto uniforme dos refugiados, um combate ao tráfico de pessoas!
Para isso é necessário que haja uma cooperação judiciária em matéria civil aprofundada, que passa pelo conhecimento mútuo das decisões, pela cooperação na obtenção de provas, movimentação policial transfronteiriça, etc.
A cooperação é necessária em matéria penal, na luta contra o tráfico de drogas, terrorismo, exploração sexual, branqueamento de capitais, crime organizado, corrupção, etc.

Temos de implementar uma outra cooperação dentro da Europol, para as intervenções comuns! De igual forma, prevê-se a criação de um Ministério Público Europeu para investigar crimes transnacionais e busca acordos com países terceiros.
Nós temos de saber combater aqueles que usam as liberdades que a nossa sociedade confere para lutarem contra ela. Possibilidade de escutas telefónicas, intercepção de mensagens, etc., temos de saber compaginar isso!

Em Portugal, por exemplo, não se pode fazer intercepção de comunicações, por isso os nossos parceiros pensam que nós andamos a brincar às polícias.

 
Dep. Carlos Coelho
O Dr. Mário David vai permitir que eu só diga uma coisa.
Eu concordo com tudo aquilo que ele disse: acho que há uma dimensão na Europa que é uma mais-valia para Portugal no combate ao crime e ao crime transnacional que está a aumentar, portanto aquilo que ele disse tem todo o cabimento.

Porém eu quero ir ao fundo da sua pergunta!
Você pergunta: qual é o limite? O combate ao terrorismo justifica que se percam algumas liberdades? E a minha resposta é esta: temos de ser fiéis ao princípio segundo o qual os fins não justificam os meios!

Quando aceitarmos que os fins justifiquem os meios estamos exactamente iguais àqueles que estamos a combater! Acaba-se o património de liberdades fundamentais, de cultura civilizacional que nos marca, que nos identifica!

PALMAS

Dou-vos um exemplo, há poucas semanas, foi assassinado um jovem de 22 anos em Londres. Um jovem brasileiro, Jaime Menezes. Era um potencial terrorista!!! Era um terrorista e portanto foi assassinado!

Na altura, o Mayor de Londres – não é um individuo da extrema-direita, é da esquerda do Partido Trabalhista inglês – o senhor Ken Livingstone, tão à esquerda que nem sequer foi candidato do Partido Trabalhista (candidatou-se contra o Partido Trabalhista), apareceu perante as televisões do Reino Unido dizendo-se orgulhoso da polícia britânica porque contra os terroristas só há uma política: é o “shoot to kill”. (atirar para matar)

O terrorista morreu com sete balas na cabeça e uma no ombro.

Depois de morto descobriu-se que afinal não era terrorista! Foi um erro da polícia.

A primeira reacção da polícia foi explicar porque é que tinha havido engano.
Primeiro argumento: ele trazia volumes debaixo do casaco! É mentira – está provado pelas imagens de vídeo do metro que ele trazia um casaco mas sem volumes, pois ele era magro e tinha um aspecto magro!
Segunda acusação: ele tinha fugido à polícia! O inquérito oficial já provou que era mentira.
E outras mentiras que a polícia usou para justificar a acção estão a cair pela base no inquérito que está a ser feito pelas autoridades judiciais britânicas.

Não me interessa agora deter-me na questão do funcionamento policial do Reino Unido. Interessa-me, sim, que há um jovem de 22 anos que foi assassinado por um erro! E toda a máquina do Estado apressou-se a justificar esse erro, dando argumentos que, sabemos agora, são falsos.

Coitado, foi abatido! Houve uma senhora que disse à televisão britânica: pois, coitado, um inocente morreu, mas não nos podemos esquecer dos 50 ingleses que morreram no atentado! Efectivamente, nós não nos podemos esquecer nem de uns nem de outros! O facto de 50 inocentes terem morrido num atentado suicida não justifica que se mate mais um, dois, três ou quatro inocentes!

Porque os fins não justificam os meios!

Esta questão que vos pode parecer simples está na ordem do dia na Europa e vai estar mais!
Vocês vão ver pessoas, que se calhar respeitam, que se calhar respeitam muito, dizendo na televisão isto: no Mundo conturbado que temos, a defesa da nossa segurança pode significar a preterição de algumas das nossas liberdades!

Eu termino citando um Pai da Constituição Americana, Benjamin Franklin, que escreveu: “aqueles que estão dispostos a abdicar das suas liberdades essenciais em troca de um pouco de segurança provisória, não merecem nem liberdade nem segurança”.

SILÊNCIO NA SALA

 
Isabel Leite
Boa tarde

O Grupo Laranja gostaria de colocar a seguinte questão: é notório que a UE está a duas velocidades.
Com a entrada de mais Estados, corremos o risco de funcionar a três. Não estaremos nós a hipotecar o futuro da UE?
Obrigada.

 
Dep.Mário David
Quais são as duas velocidades? É que se calhar há mais! (RISOS)
Já deve ter ouvido numa UE de círculos concêntricos. Em que de cada vez se permite um maior ou menos aprofundamento.

O caminho que estamos a seguir agora, plasmado no Tratado, por força dos alargamentos, é o de permitir que os Estados que quiserem continuar a fazer mais aprofundamentos (desde que representem mais de um terço dos Estados-Membros) poderem prosseguir neste caminho.

O Euro e Schengen são exemplos de duas velocidades na Europa. Aquilo que se pretende agora é não violentar os Estados e obrigá-los a aderir a esses procedimentos mas permitir àqueles que querem aprofundar mais, poderem fazê-lo. Julgo que isso é vantajoso para a União porque ninguém fica penalizado pelo facto de alguns preferirem não seguir certos aprofundamentos e permite andar mais depressa a quem quer fazê-lo!

Isso não é uma debilidade mas sim uma virtualidade da UE. E vem também diminuir a capacidade da UE se transformar num Estado federal.
Portanto, os que têm medo da diluição da soberania nacional, que não tenha, pois cada Estado pode dizer se quer ou não entrar naquele aprofundamento!

Agora, há outras causas também elas importantes e eu vou chegar a elas para não as esconder.
Entre os cinco grandes, quiseram fazer no capítulo da justiça e assuntos internos: quiseram fazer um aprofundamento da capacidade judiciária já entre eles! Fora dos mecanismos da UE, sem perguntarem aos outros 20 se eles queriam: aí é que temos de nos opor! Até porque cinco é menos de 1/3.

Não se pode excluir ninguém! Há que perguntar aos outros se querem aderir!

 
Nuno Piteira Lopes
Obrigado pela excelente exposição. O Grupo Bege coloca a seguinte questão.

A competitividade dos nossos quadros passa pela formação sustentada e planeada. Como perspectiva o desempenho dos nossos quadros no contexto da competição de recursos humanos qualificados dentro da UE?

 
Dep.Mário David
Eu tive a oportunidade de acompanhar quer as negociações do alargamento anterior quer agora com os 12 novos. A preocupação maior que tinha era, face à formação maior existente nesses Estados, a fácil ultrapassagem dos seus quadros sobre os nossos.

Continuo, infelizmente, convencido disso. Com os fundos estruturais, o Estado de preparação daqueles povos e a sua garra, farão estreitar rapidamente o fosso que neste momento existe.

Isto é fruto não só da boa formação que eles têm mas também do espírito de dinamismo. Em Portugal, quando falamos do Estado, o Estado são “eles”. Nos novos 10 países (particularmente dos que vêm da esfera comunista) o Estado somos “nós”.

Enquanto houver esta dicotomia, há os que andam e os que não andam!

 
Dep. Carlos Coelho
Temos ainda alguns minutos para perguntas livres, o Daniel vai tomar nota das inscrições. Peço-vos perguntas telegráficas.
 
Jorge Azevedo
A minha questão está relacionada com o novo Tratado.
Com a criação do Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu, assistir-se-á a casos de diplomacia paralela em temas concorrenciais? Em minha opinião isso seria contraproducente pois a UE deveria, cada vez mais, apresentar uma face unida.
Obrigado
 
Telma Gonçalves
Existe uma união económica e uma união política. Eu pergunto se faz sentido haver uma união militar existindo a NATO?
Obrigado
 
Fernando Teigão dos Santos
Agradeço a sua exposição e tenho pena que não tenha havido tempo para falar mais das perspectivas financeiras.

Tivemos 20 anos de fundos europeus que supriram muitas necessidades mas a verdade é que, em comparação com outros países, tivemos um défice de aproveitamento dos mesmos.

Estamos neste momento a negociar mas dinheiros e, parece estranho, mas falta em Portugal uma verdadeira política de desenvolvimento regional. Que estratégias queremos para as nossas regiões. As regiões são cada vez mais importantes, por um lado pela erosão de todos os Estados-Nação e, por outro, nota-se uma capacidade mais local/regional de gerir a economia.

Gostava que reflectisse um pouco sobre esta nossa ausência de politica regional, à luz dos conceitos de policentrismo, e agendas de Lisboa e Gottenburgo.

 
Dep.Mário David
Muito obrigado. Três temas diferentes e interessantes.
Ministro dos Negócios Estrangeiros e diplomacias paralelas. Se há área que dá um salto qualitativo com a nova Constituição e a da política externa. Como sabe, começou a fazer-se já o esboço de um novo serviço de “Estrangeiros” europeu.

Devo dizer-vos que lamento que o actual governo português não tenha prosseguido os nossos esforços para que na equipa inicial de Javier Solana estivesse um diplomata português.

Portugal tem setenta e tal embaixadas, a Inglaterra e França têm 130. Muito provavelmente não deixarão de as ter, mas Portugal pode aproveitar esta oportunidade para mudar a mentalidade do MNE (onde eu trabalhei durante uns tempos). Sei que há lá pessoas de grande capacidade e valor, mas é necessário aproveitar as sinergias de toda aquela máquina para canalizar o esforço dos nossos diplomatas para a “venda” dos produtos portugueses.
As embaixadas hoje em dia servem para isso! Fala-se muito no diplomata do croquete, mas a verdade é que se entra numa embaixada qualquer e perguntam-nos logo se não precisamos duns computadores, ou duns airbus…
E os outros, doutras escolas, vão apenas fazer sorrisinhos e comer o croquete! Temos de aproveitar esse embrião de “MNE europeu” para os nossos serviços diplomáticos serem um ICEP especializado! E que aproveite as estruturas da UE para podermos estar presentes em toda a parte. Ou perderemos o comboio.

A união militar, que é a fase seguinte da união política! Não sei para quando!
Mas terá de respeitar alguns parâmetros. Desde logo o facto de alguns dos nossos Estados serem neutrais, que devem ser respeitados, não impedindo, claro, outros de avançar.
Depois, terá de ser em complementaridade com a NATO e já estamos a fazê-lo (ex: nos Balcãs).
E ser uma acção em situações de manutenção de paz, muito mais do que para uso da força.

Sobre as perspectivas financeiras.
Eu não queria ser tão radical como o foi na sua pergunta.
Houve uma necessidade e uma orientação de uso das verbas iniciais para determinadas carências muito sentidas no País. Uma vez supridas, temos de saber diversificar.

Estamos a fazer das perspectivas financeiras que é suposto começar de 2007 a 2013. Neste momento, o atraso que se verificou pela sua não aprovação ainda nao é preocupante. Mas sê-lo-á a 31 de Dezembro de 2006, visto que têm de ser elaborados os regulamentos financeiros para a utilização dessas mesmas verbas e aí os Estados-Membros têm de apresentar projectos e objectivos para ver se podem ou não auferir as verbas.

(UM MINUTO INAUDÍVEL NA GRAVAÇÃO)

Muitas destas verbas não têm envelopes nacionais atribuídos, ou seja, o melhor projecto é o que será mais bem servido! Para que vejam, os cinco mais ricos levaram cerca de 70% da verba para a investigação científica.

 
Alexandre B. Cunha Pereira
Eu começo por agradecer a excelente aula que aqui foi dada.
Sendo nós jovens, ou seja, o futuro da União, como é que se faz e fará a aproximação entre as instituições europeias e os cidadãos, visto haver um desfasamento tão grande?
Já que falou sobre a pizza, deixe-me perguntar o seguinte: a 25 o tamanho da pizza permanecerá igual? E vão continuar a ser os mesmos a partir a pizza?

Vozes:
Muito bem, muito bem!

PALMAS

Para finalizar, nós em Nice, ganhámos, perdemos ou empatámos?
Obrigado.

 
Guida Sousa
Sobre os Quadros Comunitários de Apoio. Será que tem havido discussão suficiente de como aplicá-lo, temo-lo aplicado devidamente, como será aplicado o próximo QCA?
Obrigada.
 
Filipe Beja Simões
Antes de mais muitos parabéns pela forma concisa e clara como expôs a matéria.
Vou abordar o tema da religião. Vimos o debate gerado em França em torno dos símbolos religiosos: como é que, com a diversidade da UE e duma Europa a mais de 25, nos poderemos defender de extremismos?
Estaremos precavidos duma guerra religiosa na Europa?
 
Dep.Mário David
Muito obrigado.

Oh Alexandre, a aproximação da UE aos cidadãos aparentemente, a julgar pelos referendos negativos, terá falhado. Embora eu ache que o Tratado foi a desculpa e não a causa dos votos negativos.

Repito o que há pouco disse no que toca à aproximação da Europa às pessoas no Tratado: pretendeu-se simplificar, unir e verter tudo num único texto, tornando-se mais compreensível.

Temos depois as petições ao PE e ao Provedor de Justiça, usando a sua própria língua, temos a petição legislativa em que os cidadãos podem solicitar à Comissão que elabora um directiva em determinado sentido, temos também uma melhor compreensão dos mecanismos decisórios (passam de 36 a 6).
Pretende-se tudo mais coerente, mais eficaz, mais legítimo, mais transparente. A intenção foi essa. Houve um salto qualitativo

O tamanho da pizza: a pizza cresceu mas não na mesma proporção nem geométrica nem aritmética. Não aumenta na proporção que queríamos.

Nas perspectivas financeiras, quer o Tratado actual quer o de Nice definem a necessidade de suficiência de meios para as políticas comunitárias. Mas há seis Estados que não estão a respeitar isso – chamamos-lhes “os seis avarentos”.
Essa é outras das causas que podem afastar os cidadãos da Europa. É que existe uma determinada expectativa sobre os fundos europeus. Se eles aparecem em quantidade menor do que se aguarda, a frustração aumenta…

Eu diria que em Nice empatámos. Aznar foi o vencedor de Nice. O grande perdedor foi a Hungria (foi corrigido o erro no novo Tratado). Portugal não foi prejudicado nem beneficiado (estou a falar em termos de equilíbrios regionais e forças relativas). No novo Tratado, a Espanha perdeu o que tinha ganho em Nice. Portugal não foi prejudicado.

Margarida, sobre o Quadro Comunitário de Apoio, remeteria a sua resposta para grande parte do que respondi ao Fernando: é necessário que Portugal saiba dar o salto qualitativo de uso dos fundos para as políticas de desenvolvimento e emprego e as demais relacionadas com a Estratégia de Lisboa.

Tenhamos a consciência que este é o último quadro de apoio em que Portugal ainda receberá verbas de vulto. Quer por força do nosso desenvolvimento quer por força do pulo estatístico da entrada de mais 10 Estados.

A questão do Filipe da religião. Eis um tema novo que não tínhamos abordado.
Em minha opinião pessoal tudo se resume a uma palavra: reciprocidade!

A mim faz-me muita confusão, cada vez que vou ao aeroporto de Bruxelas, ter de passar por uma mesquita. Não me faz confusão por ser uma mesquita, a minha confusão é eu ir a um país muçulmano e não ter uma igreja católica que é a minha fé!
Portanto, o que devemos exigir é só isto: reciprocidade.

Ou vamos por aqui ou então não admito que tenham chamado tanta coisa ao senhor Berlusconi quando ele disse que nós somos superiores porque não exigimos reciprocidade! Berlusconi disse que a nossa tolerância faz-nos considerar superiores!

Eu aposto que já me cruzei com homens, digo homens, vestidos de burka! E se eram homens, não deviam estar a fazer boa coisa! Porque razão estaria vestido daquela maneira?

Eu não exijo que as jovens muçulmanas andem de mini-saia, que era muito mais agradável (RISOS) em Bruxelas, Paris ou em Lisboa, mas exijo reciprocidade, e na minha terra usam os meus costumes.

Todos os extremismos me fazem confusão, tal como me faz confusão a luta católicos/protestantes na Irlanda do Norte. Acho inconcebível no sec. XXI…

Mas não acho absurdo em França que por força da laicicidade tenha sido proibido o véu e o crucifixo. Fica tudo em pé de igualdade!

 
Ricardo Videira
A pergunta que quero colocar é mais por curiosidade da sua opinião pessoal.
O aprofundamento da UE em matérias como justiça, política externa, defesa é muito importante. Isto é um processo moroso devido a alguns atritos entre diversos países.
Quais são, em sua opinião, os principais passos e momento em que devem ser dados para que a concertação entre os países nestas matérias tenha lugar e sejamos de facto uma união?
 
Nuno Piteira Lopes
Mais uma vez o Dr. Barroso foi acusado (pela imprensa nacional e estrangeira) de não exercer o papel como Presidente da Comissão Europeia. O que é um facto é que, tal como tomou posse como Primeiro-ministro e apanhou o País em crise, apanhou também a UE em profunda crise.

Como avalia o papel do presidente da Comissão nestes últimos tempos?

 
Pedro Veloso
Boa tarde.
Fala-se frequentemente do alargamento a leste e do avanço geográfico da Europa comunitária até as portas da ex-URSS.
Acha que este avanço da UE até esse eixo pode fazer avançar também a NATO até aí?
 
Dep.Mário David
Eu julgo que, em matéria de aprofundamento da relação em determinadas áreas como defesa e justiça, não de pode falar em prazos ou timings. Estamos todos reunidos sob interesses comuns mas na hora da verdade cada um pensa apenas no seu umbigo. Agora, há é a consciência que actuando sozinhos não temos a força que os 25 atingem quando agem em bloco.

Sobre a performance do Dr. Barroso. Eu acompanhei de perto (muito de perto) a indigitação do Dr. Barroso e lembro-me que numa das conversas que tivemos percebemos que as distritais com que ele tinha de começar a dialogar deixavam de se chamar Portalegre, Lisboa ou Braga e passavam a chamar-se Berlim, Paris e Londres (RISOS).

Assim, tinha de haver uma relação de poder em que se soubesse a todo o momento qual era o equilíbrio de forças na UE. Até porque a UE ainda é um mecanismo híbrido!
O Dr. Barroso dizia: chamam a isto a comissão Barroso e eu mal conheço três dos meus comissários! Porque é cada primeiro-ministro que os escolhe. No futuro, com o Tratado Constitucional, será um pouco diferente.

O Dr. Barroso é um europeísta convicto, e quem assina aquele texto no Financial Times a que se está a referir é o mesmo que fazia loas ao senhor Prodi todas as semanas! Portanto, ofensas que venham dali não magoam. Porém, a maior parte das pessoas que lê o artigo não sabem o background

De qualquer maneira, a forma que se antevê na Alemanha, e as boas relações que existem entre a líder da oposição alemã (e futura chanceler, achamos todos), etc., no fim dos cinco anos o balanço será seguramente muito positivo e prestigiará Portugal.

Sobre o alargamento até à ex-URSS! Bom, nós já entrámos dentro do antigo bloco de leste: os três Estados bálticos já são nossos parceiros na UE e na NATO.
Acontecerá o mesmo com a Roménia e com a Bulgária.
No caso da Ucrânia, seria mesmo o primeiro país da ex-União Soviética a pertencer à União. Mas antes disso passará a ser membro da NATO também.

Das conversas que tenho tido com o assessor diplomático do Presidente Putin (o que é complicado para mim porque ele é maníaco do futebol e adepto do CSKA e a última vez que veio visitar Lisboa foi num dia particularmente difícil para a minha memória RISOS), e apercebo-me que a Rússia do presidente Putin é muito mais aberta do que os receios que normalmente tínhamos.

Dá-lhes jeito controlar aquela região, sobretudo a Ucrânia, mas são abertos.

A Rússia não busca a entrada na UE mas está interessada numa parceria especial connosco (daí estar expectante com a entrada da Turquia). Veja-se que no capítulo da Justiça e Assuntos Internos tem havido uma relação muito estreita entre UE e Rússia, pelo que o facto de terem a NATO à porta não lhes levanta problemas.

O único país que faz, de vez em quando, renascer esse espírito difícil é a Polónia, porque a História desses não foi fácil: ou eram invadidos de ocidente para leste (nomeadamente por alemães/prussianos) ou eram os russos que iam até à Prússia e os invadiam! Assim mantêm um sentimento muito aguerrido.

Temos ainda o problema que é o reconhecimento das fronteiras externas da UE (a nossa fronteira com a Rússia), pois entre Rússia/Estónia e Rússia/Letónia, ainda não há fronteiras definidas e reconhecidas pelos Estados envolvidos.

 
Dep. Carlos Coelho
Em nome de todos agradeço ao Dr. Mário David o facto de ter Estado connosco, ter falado e respondido às nossas perguntas.
Desejo-lhe os maiores sucessos na sua já extensa folha de serviços no desempenho dos valores em que acredita, ao serviço do PSD e de Portugal.

Peço ao Alexandre Picoto e aos avaliadores que tomem conta dos trabalhos a partir de agora enquanto eu e o Daniel acompanhamos o nosso convidado à saída.

 
Dr.Alexandre Picoto
À semelhança do que aconteceu há pouco, peço à primeira fila que vote (pausa)
Peço agora é segunda fila a sua votação (pausa), a terceira fila pode votar (pausa), agora a quarta (pausa) e por fim a última.

Muito obrigado.

 
Dep. Carlos Coelho
Hoje terão a vossa primeira reunião a sério de trabalhos de grupo. Será por volta das 17.30h. Às 20.00h teremos o jantar-conferência com o Dr. Rui Rio.
Até já e bons trabalhos.